sábado, 10 de abril de 2010

Considerações sobre a teimosia humana (ou quem não ouve "cuidado" ouve "coitado")

Na madrugada de hoje, um acidente aéreo na região de Smolensk (a 400km a oeste de Moscou), matou o presidente da Polônia, Lech Kaczynski, a esposa dele, o presidente do Banco Central polonês e os mais altos oficiais militares poloneses (ao todo, foram 97 mortos). Todos estavam indo à Rússia a fim de prestar uma homenagem a soldados poloneses que foram assassinados pelo exército soviético em 1940 (familiares dos poloneses mortos na guerra também estavam no avião). Trata-se de um fato polêmico, que envolveu Rússia, Polônia e Alemanha, e que marcou o começo da Segunda Guerra Mundial.

Entretanto, o que mais me chamou a atenção no caso não foi nada isso. Fiquei mais intrigado ao saber que, de acordo com o que foi divulgado na imprensa, a tripulação do avião que transportava o presidente polonês e a sua comitiva foi advertida pelos controladores de voo russos que as condições climáticas estavam péssimas (muita neblina), e que por isso seria mais prudente desviar a rota e aterrissar em Moscou ou em Minsk, capital da Bielorrússia (ou Belarus, como dizem). O pedido foi sumariamente ignorado pela tripulação polonesa, tanto que o piloto tentou pousar no aeroporto de Smolensk quatro vezes. Tanta insistência só poderia ter dado nisso.

Ao ouvir isso, eu me perguntei por que nós somos tão teimosos; por que nós insistimos tanto em dar de ombros para algum alerta ou aviso que as outras pessoas nos fazem. Não estou dizendo que nós devemos acreditar em tudo o que ouvirmos por aí, mas, nesse caso específico, custava escutar as recomendações dos russos e pousar em um lugar mais seguro? Custava ser mais prudente e preservar as vidas humanas que estavam dentro do avião (e a vida da tripulação também, pois ninguém conseguiu escapar vivo desse desastre)? Gente sacana, escrota e que gosta de tirar sarro da cara dos outros existe em qualquer lugar, mas eu me recuso a acreditar que os controladores de voo russos brincariam com um assunto tão sério como esse - ainda mais tratando-se de uma comitiva liderada por um chefe de estado.

Isso me lembrou do caso Gabriel Buchmann (se uma coisa tem algo a ver com a outra, eu não sei, mas foi a associação que eu fiz), aquele carioca que estava viajando o mundo inteiro com vistas a acumular conhecimento necessário para escrever a sua tese de doutorado sobre a pobreza e acabou morrendo no Monte Mulanje, no Malawi, ano passado. Guardadas as devidas proporções, Buchmann fez a mesma coisa que a tripulação polonesa fez hoje. Vejam: ele estava num lugar que não conhecia, subiu no monte sem pedir a autorização dos espíritos (os malawianos acreditam que o Monte Mulanje é habitado por espíritos, e por isso todos aqueles que querem subir o morro precisam pedir autorização a eles para entrar; os que não fizeram isso estão lá até hoje), e ainda teve a pachorra de dispensar o guia, após este ter avisado insistentemente que o dia estava ficando escuro e que portanto era mais prudente retornar à base e deixar a escalada para o dia seguinte. Como ele se recusou a fazer isso (talvez por ter pensado que todos esses costumes não passavam de "crendices atrasadas" ou por ter achado que tinha experiência suficiente para superar qualquer adversidade natural), terminou se perdendo e morrendo de frio enquanto dormia.

É por isso que eu digo: sejam humildes. Respeitem os costumes dos lugares e prestem um pouco mais de atenção às orientações das pessoas que moram lá, que vivem lá, que conhecem os hábitos da região. Não sejam ingênuos, mas também não sejam arrogantes. Se vocês estiverem num lugar desconhecido, quiserem entrar em uma selva ou fazer uma escalada e alguém disser que o tempo não está adequado, seja prudente. Pode ser que aquela pessoa esteja te sacaneando, mas vocês dificilmente terão como descobrir isso com rapidez. Na dúvida, é melhor não arriscar e checar as informações com outra pessoa.

Não pensem que o conhecimento acadêmico ou os documentários da National Geographic que vocês assistem toda semana fornecem informações que são verdades absolutas e cem por cento válidas, pois não são. Com relação ao comportamento do mar, por exemplo, eu prefiro confiar mais nas orientações de um pescador humilde a seguir as palavras de muitos biólogos ou engenheiros ambientais com doutorado no MIT ou em Harvard por aí. O biólogo e o engenheiro podem até ter bastante conhecimento técnico, mas quem conhece o comportamento das águas na prática é o pescador, pois é ele que está lá todo dia. É ele que sabe quando o mar está bom para a pesca ou a navegação. Os livros, por mais completos que sejam, nunca mostram como as coisas acontecem no mundo concreto com a mesma dimensão de quem está acostumado a ver os fenômenos de perto todo dia.

Quem não ouve cuidado ouve coitado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário