domingo, 14 de abril de 2013

Epopeia de um homem que só quer viver e trabalhar em Salvador - mas tá difícil!


Como se diz na gíria, parece que eu pisei em rastro de corno na sexta-feira passada. Eu não me lembro de ter enfrentado dificuldades tão grandes para chegar ao trabalho como neste dia. Lembro de uma, mas quando estava voltando para casa. Parece mentira ou exagero da minha parte, mas eu vou contar a história aqui e sintam-se à vontade para tirar as vossas conclusões.

Acordei predisposto a fazer uma megafaxina, pois a casa onde moro estava uma zona. Só que antes eu tive de corrigir um texto escrito pela digníssima, que ela pretendia publicar no blog dela - e publicou. Assim que eu terminei, eu devolvi o texto para ela com as correções e peguei o garrafão de água vazio para comprar outro cheio no bar de Alemão. Pretendia iniciar a faxina com a lavagem do banheiro (que estava fétido) assim que retornasse. Entretanto, quando estava me preparando para sair de casa, a digníssima recebeu uma ligação do irmão dela para dizer que o pai dela havia passado por um problema pessoal (que não vem ao caso mencionar aqui). Ao saber disso, a digníssima tresloucou. Desligou o computador de qualquer jeito, pegou a carteira de identidade e o celular e saiu em direção ao local onde o pai dela estava. Eu tive de sair com ela, pois seria muita insensibilidade da minha parte deixá-la sair sozinha naquele estado de nervos.

Felizmente, não foi nada grave. O problema foi resolvido rapidamente, e o pai dela voltou para casa sem que nada de mais grave tivesse acontecido.

No caminho de volta para casa, passamos em frente a uma loja de roupas e a digníssima viu uns vestidos que chamaram bastante a atenção dela. Entramos na loja. Ela pegou três (um vermelho, um amarelo e um azul) e pediu a minha opinião. Só que nesse exato momento, eu recebi uma ligação no celular e parei para atender. Como ela viu que eu estava ocupado, ela preferiu decidir sozinha qual vestido comprar. Optou pelo azul. Só vi o vestido em casa, depois que ela o lavou e o colocou no varal para secar. Gostei da escolha. Azul é uma cor que me agrada bastante.

Lavei o banheiro. Quando terminei, já havia passado das duas da tarde. Sujo, com o corpo cheirando a água sanitária e sabão em pó e o estômago roncando de fome, saquei que o meu plano de sair de casa às 15h havia ido por água abaixo. Mas acelerei. A digníssima improvisou uma comida com celeridade para eu não sair de casa com fome. Tomei um banho rápido, almocei com ela, arrumei minhas coisas, vesti a roupa e saí. Já era quase 15:30h quando eu botei o pé fora de casa rumo a Mar Grande, onde dou aula.

Tive de andar até a Rótula da 10 para pegar um buzu, pois não quis me arriscar a esperar um dentro de Fazenda Grande 2 (tudo isso em Cajazeiras, bairro onde moro). Andei, andei, e não passou nenhuma marinete que servisse para mim. Cheguei à Rótula às 16h. Cerca de dois minutos depois, passou um Estação Mussurunga da empresa BTU. Seria uma alternativa boa, pois esse buzu não entra em Fazenda Grande 3 nem em Vila Verde e, lá em Mussurunga, eu pegaria um Barra 1 (da empresa Ondina, código de linha 1051) e chegaria ao Comércio numa boa. Mas eu desisti por acreditar que ficaria retido no engarrafamento da Paralela (que começa no Shopping Paralela e vai até a entrada do Imbuí), o que seria um obstáculo ao meu plano de chegar ao Terminal da Lancha, no Comércio, a tempo de pegar a lancha de 17:30h. Aproximadamente dez minutos depois, apareceu um Estação Pirajá R1, da empresa Barramar. Peguei o buzu, pois queria sair logo dali. O motorista dirigiu numa lerdeza desgraçada. Parava em todos os pontos e parece que ganhava por passageiro. A vontade que me deu foi de levantar e meter os meus dois pés na cara dele, mas achei por bem não fazer isso porque seria pior, poderia causar um acidente mais grave e fatalmente eu não chegaria a tempo. Contive-me.

Desembarquei na Estação Pirajá às 16:39h. Vi que a fila do Barra 1 (da empresa Barramar, código de linha 1335) estava relativamente grande, mas não havia nenhum buzu parado no ponto. Encostou um Lapa. Após alguns segundos, concluí que seria prudente, apesar de desgastante, pegar logo aquele ônibus, descer na Lapa e andar (ou melhor, correr) até o Terminal da Lancha. Se eu ficasse lá à espera do famigerado Barra 1, certamente chegaria atrasado. Novamente, o motorista estava dirigindo com uma lerdeza que parecia que estava levando o pai dele com desvio de coluna dentro da marinete. Que porra era aquela? A BR livre, o Acesso Norte livre, e ele dirigindo naquela lentidão! Parecia que ele estava adivinhando que eu estava atrasado e resolveu me sacanear ainda mais. Quando o buzu passou pelo viaduto que liga a Rótula do Abacaxi à Avenida Bonocô, vi o Barra 1 que sai da Estação Mussurunga passando lá embaixo, saindo da Avenida ACM em direção à Rótula do Abacaxi. Pensei na hora: “Está vendo aí? Se tivesse pego o Estação Mussurunga da BTU na Rótula da 10, eu certamente estaria dentro daquele buzu que está passando lá embaixo e chegaria ao Terminal da Lancha mais cedo e com mais tranquilidade”. Mas dane-se! Já estou aqui mesmo, e o jeito agora é dar continuidade ao processo.

O motorista do ônibus que seguia em direção à Lapa deu uma matracadazinha na Bonocô. Não havia ninguém para descer nos dois primeiros pontos, mas ele quis porque quis passar pela faixa da direita para encostar nos pontos. Me contive para não soltar uma porra bem alta. Entrou no Vale do Ogunjá na mesma matracagem. Na Vasco da Gama, então, é que lenhou de vez. A via exclusiva estava livre, mas o safado estava mesmo a fim de me pirraçar. Chegou ao Dique, e havia um pequeno congestionamento. Não sei por que raios, mas aquela sinaleira nunca está liberada quando eu passo por lá. Sempre tenho de esperar os carros que vêm da Fonte Nova passar primeiro para eu passar depois. Um saco!

Desembarquei na Lapa às 17:06h. Prometi para mim mesmo que não entraria mais naquela pocilga (contarei o motivo em outro texto), mas tive de quebrar a promessa hoje por conta da situação. Subi as escadarias correndo, colocando o braço na frente “educadamente” para mostrar às pessoas que eu estava com pressa e precisava passar. Algumas compreenderam – e eu não me preocupei com as que não compreenderam. Subi a escada rolante que dá acesso aos fundos do Colégio Central no mesmo ritmo: colocando o braço, pedindo licença e passando. Tirei a mochila das costas e segurei-a com a mão direita para poder andar com mais velocidade. Não tive paciência para esperar a sinaleira em frente ao IPS (Instituto de Previdência Social) ficar verde para os pedestres, aproveitei um mole dado por um taxista e passei. Ao entrar na transversal que dá acesso à Rua do Paraíso, tomei um tropeço desgraçado, "catei umas fichas" e caí estatelado no chão. Só não bati a cabeça na calçada e quebrei alguns dentes porque estava segurando a mochila com a mão direita, como já disse, e, na queda, a mochila foi parar debaixo da minha cabeça e amorteceu o impacto. Pura sorte. A garrafa com água que eu estava carregando caiu para o lado oposto da mochila. Ao me ver estatelado no chão, uma mulher parou para tentar me ajudar. Eu, rapidamente, botei as mãos no chão, levantei e continuei correndo. A mulher, ao me ver esbaforido, só teve tempo de dizer: “moço, a garrafa está ali”. Eu peguei a garrafa, enfiei-a de novo no bolso lateral da mochila e continuei andando. Nem olhei para a cara da senhora que foi tão solícita comigo ao me ver esparramado no meio da rua, o que denota o quão atarantado eu estava.

Entrei na Rua do Paraíso e passei pela Barroquinha chispando. Tentei subir a Ladeira da Praça correndo, mas não tive fôlego para isso (que falta me faz as minhas corridas matinais). Já era 17:21h. O desespero bateu, pois eu perderia o carro que me levaria a Tairu (que sai da Praça do Duro, em Mar Grande, pontualmente às 18:20h) se não conseguisse pegar a lancha de 17:30h. Andei o mais rápido que pude. Cheguei à Praça Municipal e entrei no Elevador Lacerda. Por sorte, não havia fila. Passei, meti a mão no bolso, tirei os R$ 0,15 necessários para pagar a passagem e parei na porta para esperar o elevador que me levaria à Cidade Baixa. Quando eu estava lá, suando em bicas, todo desgoelado, com a mão esquerda ralada e sentindo a porrada que levei no joelho esquerdo por conta da queda, recebi uma ligação de uma das coordenadoras do Quilombo do Orobu (cursinho pré-vestibular no qual também dou aula) perguntando se eu daria aula lá na sexta à noite. Disse que não. Marcos Paulo, o cabra que faz dupla de área comigo na matéria de CCN (Cidadania e Consciência Negra), assumiu o babado sozinho. Estava azoado, e espero não ter sido grosseiro com Tice, pois ela não merece isso. Se fui, peço desculpas aqui publicamente. Eu não estava em condições de raciocinar.

Finalmente desembarquei do Elevador Lacerda. Cheguei à Cidade Baixa. O relógio marcava 17:25h. Na hora de atravessar a rua, vi que o semáforo em frente ao Mercado Modelo estava marcando 54 segundos para os carros passarem. Não quis esperar. Aproveitei que havia um buzu parado no ponto, avancei, olhei com cuidado, vi que não havia nenhum outro veículo passando por fora, e adiantei. Cheguei ao Mercado Modelo. Passei por dentro mais rápido do que uma bala, dei umas pequenas trombadas na turistada otária que estava no meu caminho, e cheguei ao outro lado. O Terminal estava a alguns metros de mim, mas parecia que estava a anos-luz de distância. Avancei. Consegui chegar à fila. Na hora em que eu estava me dirigindo ao guichê, duas mulheres andando em diagonal atrapalharam involuntariamente a minha passagem. Botei meu braço na frente, passei, tirei o dinheiro do bolso (que, para minha alegria, já estava trocado), passei pelo torniquete e cheguei à lancha. Ufaaaaa!! Que alegria!!!! Consegui pegar a lancha de 17:30!!!!!!!!!

Achei um lugar na popa, e me sentei. Alguns minutos depois, chegou meu amigo e futuro médico Mota, professor de Biologia do Quilombo Ilha. Gritei e sinalizei com o braço para ele me ver e sentar ao meu lado. Ele me viu. Sentou. Fizemos a travessia numa boa, e aproveitei o balanço da lancha para papear um pouco e esfriar a minha cabeça – que estava bastante agitada por conta de tudo o que aconteceu. Afinal de contas, eu não conseguiria trabalhar do jeito que eu estava.

A conversa estava tão boa e agradável que eu esqueci de levantar um pouco antes para não ficar retido no bololô que se forma na saída da embarcação. Quando a lancha atracou em Mar Grande, eu tive de esperar minutos preciosos para conseguir alcançar o lado de fora. Saí. Com pressa. Na minha frente, havia pessoas andando na maior lerdeza do mundo. Ultrapassei duas. Porém, havia outro que, além de andar devagar, era muito parrudo. Tentei duas vezes ultrapassá-lo, mas não consegui. O espaço estava estreito. Quando ele finalmente deu uma inclinada à esquerda, eu passei chispando e, na passagem, tombei no braço direito dele. Ao sentir a porrada, ele pediu desculpas. Eu respondi que “quem tem de pedir desculpas sou eu, pois eu estou com pressa”. O carro para Tairu sai de Mar Grande, como já disse acima, às 18:20h. Consegui chegar às 18:18h. Meu amigo Ademilton, professor de Física, já estava ligando para mim a fim de saber se eu chegaria a tempo ou não. Felizmente (e desesperadamente), cheguei.

Estava com vontade de ir ao banheiro, e pedi ao motorista para parar em frente à casa paroquial, onde funciona o Quilombo Ilha, pois eu não suportaria esperar mais. Fui correndo ao banheiro. Fiz o que tinha de fazer. O carro veio. A porta foi aberta. Eu entrei. Era 18:30h. Eu viajei. Cheguei a Tairu às 18:54h. Ainda bem que Gevaldo já havia deixado tudo pronto para eu entrar e trabalhar numa boa.

Que dificuldade!!!

No dia seguinte, aceitei a sugestão da digníssima e passei o dia na praia com ela. Tomei sol, alguns litrões, papeei e sosseguei um pouco. Afinal de contas, eu mereço. Ainda mais depois de ter enfrentado toda essa epopeia para chegar ao meu local de trabalho no dia anterior.

Tive de (d)escrever toda essa épica trajetória Salvador-Mar Grande para demonstrar minha indignação diante do caos em que se encontra a cidade e dizer que está cada vez mais insuportável viver e sobretudo transitar em Salvador.