quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Os grandes ícones da luta antirracista são importantes - e você também.

Mais um texto que saiu, como bem disseram Caju e Castanha, igual a caldo de cana: feito na hora. Começou como um simples comentário lá no Facebook, mas, à medida que fui escrevendo, saiu tanta coisa que eu resolvi elaborá-lo um pouco mais e publicá-lo aqui no blog.


Recebi na minha página inicial uma imagem alusiva ao Mês da Consciência Negra com a mensagem: “Nesse mês da Consciência Negra, mostre que você é a favor da igualdade. Troque sua foto por um ícone da luta contra o racismo no mundo!”.



 Jo Serra, parceira de caminhada que vive em Brasília, deu uma resposta que eu achei boa, e foi a partir daí que veio a ideia de escrever esse texto. Disse ela: Eu vou deixar a minha foto, para mostrar que todo negro, ou pardo, faz parte da luta. Mesmo que não queira...”. Discordo em parte. Eu não acho que todo negro ou pardo faz parte da luta, mesmo que não queira. Afinal de contas, como disse Ana Maria Gonçalves, militância não é coisa para qualquer um. Só entra nessa quem quer, pode, tem tempo, paciência e sobretudo frieza para aguentar as piores misérias e escrotices da vida, recuperar o vigor e seguir em frente. Quem não está a fim nem entra. E quem não tem disposição para suportar o porradão e trabalhar sem um centavo pede para sair no dia seguinte (isso se ela não for embora imediatamente). Além do mais, há muitos negros e negras por aí que não estão engrossando as nossas fileiras, não se interessam pelo combate ao racismo (e eu não falo só das pessoas que nunca leram Racismo & Sociedade, de Carlos Moore, e Pele Negra, Máscaras Brancas, de Frantz Fanon) e que, com a maior desfaçatez do mundo, dão declarações públicas contrárias à nossa causa (após terem bebido na nossa fonte) e passam para o outro lado a fim de vender o serviço a pessoas e grupos que sempre se dedicaram a nos ferrar (só não vou citar nomes). Afinal de contas, o caráter de uma pessoa não tem relação alguma com a cor da pele.

 
 Marcus Garvey, em uma de suas mais conhecidas declarações, disse que não queria levar todos os negros de volta para a África porque havia muitos que não eram boas pessoas aqui, e seguramente não seriam boas pessoas lá. E eu penso da mesma forma: eu não quero toda e qualquer pessoa dentro das organizações de luta antirracista, pois há muita gente que não é boa pessoa do lado de fora, e com certeza não será boa pessoa do lado de dentro. Nem sempre quem está do nosso lado é nosso amigo.


Mas concordo integralmente com a primeira parte do comentário, quando ela disse que vai deixar a foto dela mesma com vistas a mostrar que ela também é importante nessa luta. Apoiadíssimo. Eu vou fazer a mesma coisa. Afinal de contas, os grandes líderes não existiriam se não fossem acompanhados e apoiados pelas pessoas anônimas. Steve Biko, Martin Luther King, Malcolm X e os Panteras Negras, dentre outros, foram assassinados por lutar contra o racismo, mas foram só eles? Eles fizeram tudo sozinhos? E todas as outras pessoas que foram assassinadas antes e depois da morte desses caras, não contam? Essas pessoas não foram importantes para a luta antirracista? 


Todos e todas nós somos importantes nessa guerra, ainda que os nossos nomes não se tornem conhecidos pelo grande público ou fiquem imortalizados nos livros de História. Para mim, isso pouco importa. O que interessa mesmo é ter a consciência de que eu não fiquei impassível diante dos fatos e que, na medida das minhas possibilidades e limitações, fiz algo para mudar esse cenário de horror em que vivemos. E para quem acha isso pouco, eu direi, inspirado em Idelber Avelar, que eu só aceitarei críticas “de quem estiver de baioneta na mão, atrás de uma barricada, lançando um coquetel molotov ou derrubando as portas de um Palácio de Inverno”. Se você não está fazendo nada e se acha no direito de condenar quem está tentando fazer alguma coisa, a única coisa que você terá é o meu desprezo.


Se alguém, futuramente, quando eu não puder pisar mais na avenida e quando as minhas pernas não puderem aguentar, quiser me entrevistar e escrever um livro sobre a minha vida e a minha atuação na militância, será ótimo. A depender da pessoa, dos interesses que ela estiver defendendo e do que ela pretender fazer com as minhas palavras, eu falarei com o maior prazer (ou não). Mas se isso não acontecer, tudo bem do mesmo jeito. Afinal, eu nunca tive (como não tenho) nenhuma pretensão de virar pop star - até porque eu não faço o que eu faço hoje porque acho bonito.


À guisa de conclusão: eu não vou colocar foto de ícone nenhum. A foto que ficará lá no meu perfil será a minha mesmo. Eu também sou importante nessa luta. Eu também faço luta contra o racismo. Isso não significa que eu estou desmerecendo a atuação das grandes figuras, e sim que eu estou valorizando o trabalho de todas as pessoas que, assim como eu, estão anonimamente fazendo o que podem para combater esse câncer instalado na nossa sociedade que é o racismo.


Todas as pessoas que passaram o ano inteiro estudando no Instituto Cultural Steve Biko, no COE-Quilombo, no Quilombo Ilha, no Bahia Street, no Quilombo do Orobu e demais cursinhos pré-vestibulares populares espalhados pelo Brasil são importantes nessa guerra. Vocês, que estão aí contendo a ansiedade para fazer a prova do ENEM, estão lutando contra o racismo ao dizer não a toda uma estrutura social montada para vos colocar nos piores lugares, nos piores empregos e receber os piores salários. Ao resolver encarar a batalha pela entrada na universidade, vocês estão brigando para ter acesso ao que é vosso por direito e que durante muito tempo foi negado. Estamos apenas começando a meter o pé na porta e entrar, pois nada nos será dado de graça.


E podem me chamar de arrogante e presunçoso. Fiquem à vontade.