Neste fim de semana, Salvador se transformará na capital brasileira da velocidade. Pela primeira vez em trinta anos de história, será realizada uma etapa do campeonato brasileiro de Stock Car no Nordeste e em um circuito de rua – nas ruas do Centro Administrativo da Bahia. Como atualmente o automobilismo não goza de muito prestígio aqui na Bahia, várias ações de divulgação foram feitas para mobilizar o público: carros ficaram expostos em alguns dos principais shopping centers da cidade; pilotos deram voltas com os carros no Dique do Tororó - região do centro de Salvador; o piloto Cacá Bueno fez um pit-stop em frente ao Mercado Modelo e Elevador Lacerda; os pilotos Xandinho Negrão e William Starostik passaram uma tarde autografando bonés no Shopping Iguatemi em troca de 1kg de alimento não-perecível. Sem contar a propaganda massiva feita pela imprensa esportiva baiana desde o final do mês passado.
Reconheço que isso será muito bom para o esporte baiano. A divulgação que a cidade já recebeu – e ainda vai receber – em virtude da corrida que acontecerá amanhã será ótima. Para aqueles que estão brigando pela construção de um autódromo em Salvador, essa é uma boa oportunidade de intensificar a luta. Além disso tudo, como estamos em período de baixa estação, o evento ajudou a incrementar o turismo baiano (que está passando por uma das piores fases nos últimos vinte anos), uma vez que há uma boa quantidade de pessoas que virão a Salvador só para assistir à corrida.
Entretanto, uma coisa que eu vi nos jornais chamou bastante a minha atenção, e é a isso que eu quero dar destaque: todos os ingressos foram vendidos em 48 horas, e por isso a organização criou, no local onde acontecerá a prova, um espaço batizado de Praça dos Telões, onde as pessoas de menor poder aquisitivo (o Jornal da Metrópole desta semana usou o termo “povão”, mas eu detesto essa palavra) poderão pagar de cinco a dez reais para assistir à prova através de telões de alta resolução.
Que falta de respeito! Vejam só se eu vou pagar dez reais para ver imagem de telão!!! Imagem de telão, eu vejo em casa. Sei que isso não causará efeito prático nenhum (eu sou um só, e uma andorinha só não faz verão), mas essa é a única forma que eu tenho de protestar contra essa ideia de que os pobres têm de estar sempre relegados aos piores lugares. Percebam: a organização do evento só pensou em criar uma forma de atrair os mais desfavorecidos depois que os ingressos foram todos vendidos. Por que a organização não pensou em criar preços mais em conta em uma zona que os pobres pudessem ver os carros na pista?
Certamente aparecerá alguém dizendo que eu sou ingênuo, imbecil, metido a besta, dentre outras palavras. Digam o que quiserem. Eu só não concordo que o sofrimento, o descaso e o menosprezo são coisas naturais. Não é porque eu sou preto, pobre e periférico que eu tenho de aceitar sempre os restos e dizer que “é assim mesmo”. Como bem disse o Kortezia, “eu estou carente, mas eu quero coisa boa”.
Isso é a mesma coisa de pagar para assistir a uma apresentação de Emílio Santiago (que eu gosto muito), um espetáculo teatral ou uma apresentação do Cirque du Soleil numa fileira tão distante do palco e ter de ver o espetáculo através de telão. Se fosse para ver imagem de TV, eu compraria um DVD pirata no camelô e assistiria à apresentação em casa.
Na Stock Car, não seria diferente. Como eu não tive grana para pagar o preço dos ingressos das áreas mais nobres (até porque o preço já é colocado para selecionar o público), eu também não irei lá. Eu até tenho dez reais livre aqui no meu bolso no momento, mas ele será usado em outra coisa. Acompanharei a transmissão através do Esporte Espetacular, pois sairá bem mais barato.
P.S.: de acordo com o Jornal da Metrópole do dia 24/07 (www.jornaldametropole.com.br), o Cirque du Soleil cancelou quatro dias de apresentação aqui em Salvador (27/8, 3/9, 4/9 e 6/9). Os motivos do cancelamento até agora não foram – e eu imagino que nunca serão – divulgados, mas eu quero acreditar que foi o baixo público.
Se for isso mesmo, será bem feito. Se os preços dos ingressos fossem mais baixos, a presença de público seria bem maior e com certeza nenhum dia de apresentação seria suspenso.
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