quinta-feira, 23 de julho de 2009

Unidos venceremos - ou pelo menos incomodaremos bastante.

Essa semana, vi uma coisa que me deixou profundamente alegre. Estava navegando pela internet, e li uma nota no mínimo interessante: revoltados com os maus resultados do time, alguns torcedores do Bahia resolveram lançar a campanha Público Zero, que consiste em estimular a torcida a não comparecer ao Estádio de Pituaçu na próxima rodada, quando o Bahia enfrentará o Vasco em partida válida pela série B do Campeonato Brasileiro. Nenhuma torcida organizada do time assumiu a autoria da campanha, mas a mensagem já está se espalhando loucamente pela internet através daquelas correntes chatas (toda vez que eu recebo um email FWD, eu nem abro a mensagem).

Após ler essa nota, eu quase esporrei de tanta felicidade. Reagi dessa forma porque finalmente alguém entendeu que a melhor forma de protestar contra os maus resultados de um time de futebol é simplesmente não ir mais ao estádio, ou seja, boicotar. Gritar, balançar cédulas de dinheiro em frente às câmeras de TV, chamar os jogadores de mercenários, ameaçá-los de morte, ir ao aeroporto para tentar agredi-los, pichar os muros da sede do clube, invadir o centro de treinamento, dentre outras tantas palhaçadas, não adiantam porra nenhuma. Dirigente de clube está se lixando para isso. Quando aparece alguma torcida organizada fazendo bagunça, a primeira reação que eles têm é dizer que todos são vagabundos e marginais e chamar a polícia para prender todo mundo. Resultado: uma caralhada de gente vai em cana e tudo fica na mesma.

Lembro que em 1997, eu fui à Fonte Nova (hoje desativada) assistir a um jogo entre Bahia e Vitória. A bagunça e o descaso com o torcedor estavam demais: filas intermináveis; cambistas cobrando de cinqüenta a sessenta por cento de ágio; os ingressos de meia-entrada só eram vendidos duas horas antes da partida “para evitar ação de cambistas”, mas nem o primeiro da fila conseguia comprar as entradas... A população começou a reclamar horrores, falar mal, dizer que aquilo era um absurdo, que o torcedor não merece ser tratado daquela maneira. Depois de ter ouvido toda aquela lamentação, eu irrompi no meio da multidão e disse o seguinte: “gente, nós estamos reclamando disso tudo aqui, mas nós precisamos entender que o culpado de tudo isso não é o presidente do Bahia, o presidente do Vitória, o diretor da SUDESB, o presidente da Federação Baiana de Futebol, o presidente da CBF e muito menos o presidente da FIFA. Os verdadeiros culpados disso tudo somos nós, torcedores, que estamos aqui hoje, passando por toda essa humilhação para pagar caro para assistir a uma partida de futebol, mas na próxima rodada todos nós estaremos aqui com o rabinho entre as pernas e prontos para sermos humilhados novamente. Se nós tivéssemos um pouco mais de vergonha na cara e nos recusássemos a vir aos estádios enquanto essa situação não mudar, com certeza os dirigentes sentiriam a dor no bolso e passariam a nos tratar melhor”. Algumas pessoas gostaram do que eu falei, outras quiseram me matar, mas felizmente eu sobrevivi e hoje estou aqui, vivo para contar história.

O que estou querendo dizer com isso é que nós temos muito poder para mudar essa situação, desde que ajamos coletivamente. O boicote é um mecanismo de pressão maravilhoso; foi assim que os negros do sul dos Estados Unidos acabaram com a segregação racial no sistema de transporte coletivo. Como os brancos sempre tinham preferência, os negros se organizaram e passaram 381 dias sem viajar nos ônibus urbanos das cidades do Sul. Após esse tempo, e arrasados com os prejuízos, os empresários pressionaram o governo para pôr fim à lei que dava suporte à discriminação racial nos ônibus (Plessy v. Ferguson), e assim os pretos voltaram a viajar sem serem mais obrigados a sentar-se somente na parte de trás e a ter de dar o lugar a uma pessoa branca caso todos os lugares estivessem ocupados e o branco estivesse de pé.

Pautado nesse exemplo, nós bem que poderíamos fazer o mesmo por aqui não só para protestar contra a diretoria do Bahia ou do Vitória, mas para outras coisas mais importantes. Cajazeiras é o maior bairro da América Latina, com uma população de aproximadamente setecentas mil pessoas. Alguém já pensou o tamanho do prejuízo que os donos de empresas teriam se a população de Cajazeiras deixasse de pegar ônibus durante uma semana? Seria uma ótima forma de protestar contra o péssimo estado dos veículos em que somos obrigados a viajar diariamente, bem como contra os aumentos sucessivos e abusivos no valor da passagem. Esse é só um exemplo dos efeitos que um boicote bem organizado pode causar.

Contudo, eu tenho plena consciência de que isso não é coisa fácil de fazer. Por dois motivos: 1) muita gente vive de empregos temporários e/ou “bicos”, e por conta disso não podem se dar ao luxo de ficar uma semana sem trabalhar sob pena de não terem o que comer; 2) por mais incrível e inaceitável que possa parecer, a exploração e a desigualdade já estão naturalizadas na cabeça de muita gente, e por isso a maior parte da população acha, dentre outras coisas, que pegar ônibus lotado é normal, pois “transporte de pobre é assim mesmo; se você não quer ser empurrado, pegue táxi”. Nem todos estão dispostos a aguentar as consequências de tal rebeldia, mas fica aqui o recado.

Apesar da minha felicidade inicial, eu duvido que a torcida tricolor leve esse movimento adiante. Isso porque, após seis rodadas, o Bahia conseguiu ganhar uma partida (contra o Campinense, último colocado na série B), e seguramente muita gente está pensando que o time já está bom e que por isso deve comparecer ao estádio de novo.

Para mim, essa vitória michuruca não tem importância nenhuma. Infelizmente, o torcedor do Bahia se conforma muito com migalhas. Eu sou torcedor tricolor, mas só retornarei ao estádio quando o Bahia estiver de volta à primeira divisão. Do jeito que as coisas estão, isso vai demorar muito. Mas, e daí? Eu não estou com a menor pressa.

Eu sou torcedor exigente. Não ganho dinheiro fácil, portanto ninguém vai levar o meu dinheiro fácil.

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