sábado, 7 de julho de 2012

Em dia de azar, o urubu de baixo caga no de cima


Estava voltando para casa hoje, vindo de Mar Grande, cansado depois de dois dias de trabalho (dou aula lá sexta à noite, e sábado pela manhã em Tairu, a 32km de distância de Mar Grande). Peguei a lancha no terminal. Logo ao entrar, para minha tristeza, vi um sujeito mal-acabado, mal-encarado, segurando uma prancha enorme, um par de óculos ridículo na cara e com o som do celular ligado no último volume. Não sentei na proa da lancha para apreciar a paisagem, como havia pensado em fazer, por conta disso – ele estava lá, e eu não quis ficar perto dele. Tive de ficar no meio da embarcação, com um monte de gente na minha frente e sem conseguir ver o mar. Um saco! Eu, cansado, com fome, com sono, a fim de fazer a travessia Mar Grande-Salvador em silêncio e receber aquele ventinho na cara, viajei tendo de aguentar o barulho feito pelo celular daquele sujeitinho. E eu não pude falar nada, pois, se falasse, certamente ele e o outro mal-acabado que estava com ele me atirariam na Baía de Todos os Santos. Sabe como é, ele quer ouvir o som dele no último volume, num espaço público, e os outros que aguentem -  ou então tapem os ouvidos.

(Certa vez, peguei um ônibus em direção ao subúrbio, meu local de trabalho às quartas. Achei um lugar para sentar – coisa rara, visto que os ônibus que transitam para aquela região parecem mais paus de arara do que transporte público coletivo [moradores do subúrbio de Salvador, não me apedrejem; vocês também reclamam dos ônibus socados de gente que são obrigados a pegar todo dia]. Após me acomodar, um safardana, sentado a duas fileiras atrás de mim, ligou o celular dele no último volume. Último volume mesmo; nunca vi um celular com um som tão potente como aquele. Parecia mais um trio elétrico. Após me assustar com a pancada do som no meu ouvido e olhar para trás a fim de ver quem havia feito aquilo, o sujeito não gostou e, ato contínuo, gritou: “QUE FOI, IRMÃO?!! TÁ INCOMODADO?? NÃO GOSTOU NÃO?! ENTÃO, DESÇA E PEGUE TÁXI”. Resolvi ficar calado, pois ele poderia partir para cima de mim e me matar de porrada – ou meter uma bala no meio da minha testa, caso estivesse armado. Afinal de contas, eu sou grande, mas não sei bater em ninguém. E não faço questão de aprender, pois eu não gosto de violência.)

Mas retomando minha peripécia Mar Grande-Salvador, como se não bastasse, a viagem foi péssima. O mar estava muito revolto, e por isso a embarcação balançou bastante – tanto na ida como na volta. Ainda bem que eu não enchi a barriga antes de viajar, pois, se eu tivesse feito isso, haveria uma possibilidade muito grande de, em virtude do sacolejo constante e interminável, eu vomitar tudo em cima de quem estava sentado na minha frente. E se isso acontecesse, eu provavelmente não teria escrito esse texto.

Finalmente, desembarquei. Como eu estou evitando ao máximo entrar na Estação Pirajá (uma estação de transbordo de Salvador), decidi andar até o ponto do Instituto do Cacau, no bairro do Comércio, para pegar um ônibus que me trouxesse para Cajazeiras sem a necessidade de ter de descer no meio do caminho para pegar outro. Depois de cerca de dez minutos parado no ponto, apareceu um micro-ônibus que fazia a linha São Gonçalo-São Joaquim dirigido por um ex-vizinho e coligado meu (que eu não via há um bom tempo). Ao me reconhecer, ele parou perto de mim e perguntou se eu aceitava uma carona até o Largo do Tanque. Como eu nunca fui ao São Gonçalo (até porque eu nunca tive o que fazer lá), perguntei se a linha era via Liberdade ou Av. San Martin. Ao ouvi-lo dizer que a linha era via San Martin, resolvi aceitar e descer no Retiro, pois, lá, é mais fácil pegar um ônibus para Cajacity.

Maldita hora em que eu aceitei essa carona! Já na entrada da San Martin, o ônibus parou. O congestionamento estava enorme (fato que já se tornou rotina no trânsito de Salvador, pelo grande número de veículos que há na cidade e pela péssima infraestrutura de tráfego. Salvador é uma cidade sem zona de escoamento de veículos. Se houver um acidente, se houver operação tapa-buracos ou um caminhão de entrega parar na lateral da pista, ninguém passa). Diante da lentidão do trânsito, eu cheguei a ter a impressão de que eu não sairia daquele lugar hoje. Saí – depois de quase meia-hora parado, diga-se de passagem. O “bolo” estava formado na entrada da Santa Mônica, bem ali na frente da Igreja Universal do Reino de Deus. Após ter passado dali, foi tranquilo.

Desci no Retiro. Ainda quando eu estava atravessando as pistas para chegar ao ponto, avistei um Fazenda Grande 4/3/2 saindo da San Martin parado no semáforo. Tive até de dar uma corridinha leve para não perder o buzu. Consegui chegar a tempo. Ao colocar o pé na porta de entrada, constatei que havia outro babaca dentro do ônibus com o som do celular no último volume tocando A Bronkka (argh!!). Respirei fundo. Procurei um lugar para sentar, mas o foda é que o espaço interno entre uma cadeira e outra é pequeno demais para mim, e por isso o meu joelho direito teve de ficar espremido no encosto do assento da frente. Para completar, um cara bastante parrudo sentou ao meu lado e, como o espaço também estava pequeno para ele, a perna esquerda dele ficou colada à minha perna direita. Depois de alguns minutos de incômodo recíproco, ele se deu conta de que não havia a menor possibilidade de viajarmos daquele jeito, percebeu que a direita dele estava livre e virou as pernas um pouco para o lado. Que alívio! Em Águas Claras, ele se levantou, desceu da marinete e tomou o rumo dele. Ufaaaaaaaaa!!!

Lá estava eu, tranquilo e calmo, lépido e fagueiro, acreditando piamente que não enfrentaria mais nenhum empecilho na minha epopeia de volta para casa. Ledo engano. No meio da ladeira de Cajazeira 8, outro congestionamento de trânsito. Normal, é assim mesmo; isso acontece todo dia, aos sábados então?; o movimento da feira na Rótula da 10 para o trânsito todo; de 11 da manhã até as 3 da tarde, não há como não pegar engarrafamento nesse trecho; relaxe. RELAXE O CARALHO!! Tô de saco cheio já de tanto engarrafamento nessa porra! Será possível que ninguém mais consegue transitar pela cidade sem perder tempo no trânsito. Há dez anos, os megacongestionamentos limitavam-se à região do Iguatemi. Hoje, é na cidade toda! Toda vez é isso? Enquanto não houver transporte coletivo de qualidade, o pessoal continuar comprando carro adoidado e as vias de acesso permanecerem estreitinhas, essa merda continuará do jeito que está. É daí pra pior. Eu trabalho às 19h na segunda e na quarta e às 20h na terça. Entretanto, se eu não sair de casa antes das 16h, há um grande risco de eu não chegar e perder o meu dia. Eu tenho de achar normal isso? Eu tenho de aceitar que é assim mesmo? Assim mesmo o cacete!

Como se não bastasse, após sair do trecho mais crítico do engarrafamento, o motorista do ônibus que eu peguei no Retiro inventou que estava com vontade de ir ao banheiro, botou bandeira de Garagem, encostou o buzu no muro do Hospital Jaar Andrade e pediu ao cobrador para colocar os passageiros em outro ônibus que vinha logo atrás (Fazenda Grande 2/3 R2). Ao entrar, imaginem só o que aconteceu. Dei de cara com o mesmo surfista mal-acabado, mal-encarado, usando os mesmos óculos escuros ridículos, segurando a prancha e fazendo zoada dentro do ônibus com o celular no último volume. Puta merda!!!!

Deu uma vontade tremenda de descer e vir para casa andando. Contudo, eu estava muito cansado e com uma fome de leão, e por isso resolvi aguentar mais uma vez até o ponto de ônibus perto da minha casa. Se a minha avó Maria da Conceição estivesse aqui e ouvisse esse relato, ela olharia para a minha cara e diria, do alto da sua sabedoria de vida, o seguinte: “meu filho, fique tranquilo. A vida é assim mesmo. Em dia de azar, o urubu de baixo caga no de cima”.

Mas eu tive uma notícia boa. Tinha consulta marcada com o fonoaudiólogo hoje às 4 da tarde. Isso posto, eu teria de ir pra casa, tomar um banho, trocar de roupa, comer e sair de novo. Mas quando o ônibus estava passando pelo Jaguaripe (Conjunto Jaguaripe I, em Cajazeiras. Não confundam com a praia de Jaguaribe, que fica localizada ao lado da praia de Piatã, na orla de Salvador), ele ligou para dizer que havia passado mal ontem e acordou hoje cheio de dores no corpo, e por isso não tinha a menor condição de me atender. Não reclamei. Fui para casa, almocei com a digníssima e fumei um charuto para relaxar. Afinal de contas, eu mereço. Depois desse épico, então...

6 comentários:

  1. Seria cômico, se não fosse trágico! Gostei...

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  2. Prof. seu relato seria cômico se não fosse trágico, dei umas gargalhadas aqui rs...
    Realmente o trânsito de Salvador está terrível mesmo, o tempo que perdemos dentro dos transportes públicos de Salvador é irreparável. Isso é frustante para nós quanto cidadães que paga imposto extremamente abusivos com a promessa de ter prestação de serviços público de qualidade!
    E como diz sua saudosa vó e minha sábia vó e mãe “Em dia de azar, o urubu de baixo caga o de cima”!

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  3. Filho que dia,mas como disse em dia de azar o debaixo caga no de cima. O texto esta muito bom,hoje tive que sair e passei sufocos parecidos demora dos ônubus, engarrafamentos e ter que aturar alguns babacas. A cidade de Salvador está orrivel quando o assunto é trânsito e o mais importante é que os nossos governantes não estão nem ai. Vamos ver quando a copa começar em 2014.

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  4. Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk...
    Estou rindo ''litros'',tipo uma comédia grega, abaiana pelas redondezas de Mar Grande e Cajaciy.
    Muito bom!!!!
    Também só assim pra poder superar as frustrações cotianas causadas pela falta de infraestrutura urbana dessa cidade e o descaso dos governantes.
    Por que tá F.O.D.A pra todo mundo!!!
    Ou nós nos mobilizamos e colocamos abaixo esse sistema, frente á uma revolução.
    Ou é melhor seguir o conselho de vó Conceição(...) e continuar cantando a música de Chico Buarque: ''A gente vai levando,a gente vai levando, a gente vai levando essa vida!!!

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  5. Para ser o no Alex Castro, precisa melhorar um pouquinho. Mas táis no caminho certo.
    PS: Tô em SSA até segunda!!! Se tiver como me ligue (19)83349995 é TIM

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    1. E quem disse que eu quero ser Alex Castro, Marquito? Que viagem é essa, véi?

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