Vi uma nota na internet que
me deixou bastante indignado: “Mais de 14 mil alunos de Salvador só terão aulas na rede estadual em abril”. A curta matéria conta o caso de vários meninos e
várias meninas que, por conta dos quatro meses de greve da rede pública
estadual baiana, só voltarão às aulas no dia 1º de abril de 2013 e, por conta
disso, terão de ficar mais de noventa dias parados em casa sem fazer nada.
Tenho duas coisas a dizer
sobre isso: ninguém é inocente nessa parada. Todas as pessoas, guardadas as
devidas proporções, têm sua parcela de culpa e deverão assumir as suas
responsabilidades se quiserem mesmo resolver o caso. Dou ênfase a isso porque
não adianta jogar a culpa no governo, pois é chover no molhado
dizer que as autoridades não estão nem aí para a educação pública. O
governador, o secretário de Educação e os deputados baianos estão pouco se
importando se os e as estudantes da rede pública ficarão mais de três meses sem
ter o que fazer por uma razão bem simples: os filhos e netos deles não estudam lá. Aconteça o que acontecer, todos eles dormirão com a certeza de que os seus
filhos estão sendo muito bem treinados para sucedê-los no poder e continuar
dominando os subalternizados. É até bom que filho de pobre não estude mesmo,
pois, se essas faveladinhas virarem doutoras, quem vai lavar minhas cuecas?
Certa vez, li um texto que
dizia que o senador Cristóvam Buarque elaborou um projeto de lei para obrigar
os políticos a matricular os filhos deles em escolas públicas. Ao conversar
sobre isso com um vizinho, ele disse que o senador Buarque era um babaca,
otário e desocupado por pensar uma coisa ridícula como essa. “Tá vendo que um
projeto desse nunca vai ser aprovado?”, disse o meu vizinho. E eu rebati: “o
senador Buarque não é babaca coisa nenhuma. Foi você que não sacou o detalhe da
jogada. Ele sabia muito bem o que estava fazendo. O objetivo dele era ver se as
pessoas perceberiam por que os políticos não se interessam em melhorar os
níveis das escolas públicas brasileiras, e se haveria alguma reação contra esse
descaso”. Porém, quem ficou sabendo disso? E para as pessoas que souberam, quem
deu importância ao caso?
A situação da educação no
Brasil está do jeito que está porque as pessoas que mais deveriam pressionar
por uma educação pública de qualidade são as que menos pressionam. Ninguém se
importa com educação! Afinal, qual foi o pai ou a mãe de estudante que foi à
porta da governadoria do estado exigir que o governador Jaques Wagner
negociasse com a categoria? Nenhum! Pelo contrário, todas essas pessoas ficaram
paradas em casa, xingando as professoras de preguiçosas, vagabundas e
desocupadas que armaram todo esse fuzuê para não trabalhar.
Como se isso não bastasse,
muitos pais e mães, ao invés de defender a escola pública, apoiar o professorado e reconhecer como justas
e fundamentais as reivindicações da categoria, foram às portas das escolas
particulares pedir bolsas para os seus filhos. Lembro de uma matéria publicada
em um jornal da cidade sobre uma mulher cuja filha estudava no Colégio Estadual
Thales de Azevedo. Em vez de protestar contra o descaso do governador e se
juntar ao professorado para pressionar o governo, ela escreveu uma carta
endereçada à diretoria de uma escola particular parede-meia com a já citada
escola estadual para pedir uma bolsa para a filha dela. O jornal ainda publicou
a carta em que a autora disse que estava fazendo aquilo porque não aguentava
mais ver a filha dela em casa sem estudar. Afinal, a menina tinha desejo de
estudar Medicina, o ENEM estava se aproximando e ela não estava sendo preparada
para isso. E finalizou a carta dizendo que essa atitude pode parecer um pouco
egoísta, mas "cabe a cada um encontrar as suas formas de lutar".
Não sei se essa senhora foi
exitosa em sua investida, mas, na hipótese de ela ter logrado êxito, você acha
que ela se preocuparia com a situação das outras adolescentes que ficaram sem
aula? Você acha que ela se preocuparia com quem não conseguiu bolsa em alguma
escola particular? Se ela não se mobilizou antes, você acha que ela se
mobilizaria depois? “A minha filha está estudando para fazer Medicina, portanto
não me interessam os outros. Eu sou mãe da minha filha, e não das filhas das
outras pessoas. Quem está sem aula que se dane! Eu dei o meu jeito, portanto
elas que deem o jeito delas também”. Pimenta no rabo das filhas dos outros é
refresco.
A outra coisa que eu tenho a
dizer é a seguinte: é assim que se inicia o extermínio da juventude negra:
fazendo de tudo para os e as estudantes ficarem fora da escola, perderem o
ritmo de estudo e saírem às ruas em busca do que fazer para vencer o tédio e a
ociosidade. Alguns inevitavelmente viram escravizados do subemprego que lhes
paga uma mixaria que é toda consumida com a compra de celulares vagabundos e
tênis de marca. Outros se tornam presas fáceis da bandidagem e, quando isso
acontece, o mesmo estado que negou a essas pessoas todas as chances de sair
daquele cenário de miséria e carência de perspectivas manda a polícia fazer o
serviço sujo de puxar o gatilho da .40 e estourar os miolos delas, sob o
argumento de estar combatendo a criminalidade.
E depois ainda querem que eu
apoie essa excrescência jurídica chamada redução da maioridade penal de 18 para
16 anos. Sou terminantemente contra! Invista em educação e incentive o
protagonismo juvenil que o contingente de soldados do tráfico diminuirá. Há
vários pretos favelados por aí que só precisam de uma oportunidade para se tornar
engenheiros da Aeronáutica, médicos neurocirurgiões, desembargadoras, ministras
do STF, arquitetos, biólogas, oficiais das Forças Armadas, psicólogas, dentre
outras coisas. Mas as poucas esperanças de vida são aniquiladas quando esses
meninos e essas meninas vão à escola e não têm aula, não encontram a biblioteca
aberta, encontram professores desinteressados que reclamam das péssimas
condições de trabalho e descontam as suas frustrações em cima de quem é mais
vítima do descaso das autoridades públicas do que eles. Afinal de contas, é bem
mais fácil descontar a raiva em cima de quem é mais fraco do que peitar os mais
fortes e poderosos em busca de uma solução para o problema.
Isso foi só um desabafo.
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