Como boa parte da população brasileira não sabe, está rolando a Copa do Mundo de Futebol Feminino (hã?! Copa do Mundo de Futebol Feminino?!?!! Onde?!). As partidas começaram no final do mês passado e a final acontecerá no próximo dia 17 de julho. A grande imprensa, com destaque para a Rede Globo, não está dando nenhum destaque à competição. Em ano de Copa do Mundo de futebol masculino, as emissoras de televisão, os jornais, as revistas e os anúncios publicitários começam a encher o saco desde o início do ano sobre o Brasil na Copa, o povo brasileiro tem que torcer, devemos prestigiar a pátria de chuteiras, é o Brasil, o Brasil, o Brasil... Já quando as mulheres estão em campo...
Se não fosse a Band, as poucas pessoas que ficaram sabendo disso não teriam a oportunidade de ver os jogos. Mas não poderia ser diferente, pois, afinal de contas, a Band é a única emissora brasileira que incentiva o futebol feminino no nosso país. Luciano do Valle tem os seus erros, mas é o único grande jornalista esportivo que prestigia as mulheres futebolistas e cobra maior apoio dos patrocinadores e da CBF para que elas possam ter as condições mínimas necessárias para viver do esporte.
Infelizmente, a seleção foi eliminada pelos Estados Unidos nas quartas-de-final no domingo passado. Apesar de a zagueira Daiane ter feito um gol contra logo no começo do jogo e ter perdido um pênalti, não foi por causa disso que as nossas mulheres foram desclassificadas do certame (é bom dizer isso para depois algum espírito de porco não tentar fazer com ela a mesma coisa que fizeram com o goleiro Barbosa após a derrota da seleção brasileira na final da Copa de 1950). O gol contra foi uma infelicidade, e o desperdício do pênalti foi compreensível para uma jogadora que atuou durante cento e vinte minutos e, portanto, estava fisicamente cansada e psicologicamente abalada por conta do lance infeliz no início da partida.
O maior erro foi do treinador Kleiton Lima, que armou o time errado, subaproveitou jogadoras importantes e não fez as alterações no momento certo – além, é claro, de ter escalado uma jogadora emocionalmente desestabilizada para bater um pênalti. Deixei um comentário lá no site da Band sobre isso. Se quiserem conferir, fiquem à vontade.
Entretanto, eu não quero fazer outra resenha da partida. Quero, na verdade, levantar uma discussão acerca de outros aspectos relacionados à transmissão, especialmente a forma como é vista a mulher no esporte. Pode parecer estranho, coisa de maluco que vê coisa onde não existe. Que seja! Eu fui treinado para prestar atenção aos detalhes, àquilo que a maioria das pessoas não vê (não estou me autoelogiando publicamente, mas apenas dizendo que o meu trabalho é esse. Não faço mais do que a minha obrigação). Estava eu assistindo a Brasil X Noruega, jogo realizado no dia 3 de julho, e vi e ouvi que o comentarista Neto não parava de rasgar elogios à beleza das jogadoras norueguesas. Ele não cansava de dizer que elas eram lindas, maravilhosas, como tem mulher bonita na Noruega!!! Isso começou a me incomodar um pouco, e por isso resolvi ficar mais atento. Parece até que eu estava adivinhando o que viria em seguida.
No segundo tempo, ele não aguentou. Tornou a rasgar mais e mais elogios à beleza das norueguesas e, na volta do intervalo, soltou a seguinte pérola: "se beleza ganhasse jogo, já estaria oito a zero para a Noruega".
(Curioso que nenhuma jogadora brasileira é bonita aos olhos dele. Nem Érika, a única loira do time. Ou seja, não basta ser loira para ser bonita. É preciso ser europeia ou descendente de europeus.)
No jogo seguinte, contra a Guiné Equatorial, observei com atenção máxima as palavras dele e constatei que ele não fez um comentariozinho sequer sobre a beleza das jogadoras guineenses. Por que será? Deve ser porque mulheres negras não são bonitas, não é mesmo?
Aposto que se alguém disser a ele que o comentário feito acerca das norueguesas é racista, ele jurará que não e ainda dirá que está cansado dos patrulheiros do politicamente correto. Já estou até vendo - e ouvindo: "Ihhhhh! Que saco! Será possível que eu não posso falar mais nada?! Tudo é racismo, tudo é preconceito, QUE PORRA!!!"
Para completar, ele fez a mesma coisa na partida entre Brasil e Estados Unidos. Em um determinado instante em que a goleira Hope Solo apareceu na imagem (ela foi a mais privilegiada pela geradora das imagens, é claro), o narrador Luciano do Valle falou que ela era uma goleira muito competente e habilidosa. Neto não perdeu a chance: "habilidosa E LINDA!"
Dei uma olhada nas reportagens sobre o jogo disponíveis na internet, e todas elas trouxeram na manchete "a musa Hope Solo eliminou o Brasil...", "a goleira vira musa...", "musa Hope Solo isso...", "musa Hope Solo aquilo..."
Ou seja, pouco importa se ela é competente, pouco importa se ela teve uma boa atuação na partida, pouco importa o fato de ela ter defendido duas cobranças de pênalti. Importa mesmo o fato de ela ser linda – e nada mais.
Quando os homens estão jogando, ninguém repara na beleza deles. Pouco importa se eles são bonitos ou feios, o que interessa é saber jogar e colocar a bola nas redes do adversário (quer dizer, também não é assim. Afinal de contas, quando vocês viram um jogador africano ou asiático aparecer nas listas de jogadores mais bonitos da Copa? O único brasileiro que apareceu na lista de bonitões da Copa 2010 foi Kaká. Mas Kaká é preto?). Já com relação às mulheres, a mídia só quer saber da beleza física delas. Por que isso? Elas entraram em campo para jogar futebol ou para um desfile de moda? Não sei vocês, mas eu penso que a beleza física de uma mulher é desimportante quando ela decide praticar um esporte. O que importa é competência, habilidade e preparo para obter o máximo de rendimento. Ou eu estou errado?
Do ponto de vista do bom desempenho esportivo, pode até não importar. Mas é importante saber a que se está definindo como "desempenho esportivo". Alguns poderiam consider que se uma jogadora ficou milionária posando nua ele teve um bom desempenho esportivo, já que jogou e ganhou (muito dinheiro), se é que me entende...
ResponderExcluirMas entendo perfeitamente o que você quer dizer por desempenho esportivo e, neste sentido, a única beleza que importa é a beleza plástica das jogadas, coisa que tem amadurecido na arte feminina. Tudo é uma questão de aprendizado, e sobretudo de prática.
Com a palavra, a CBF.
É lamentável esta estereotipação machista e racista que tanto oprime as mulheres e mais ainda quando por diversas questões elas cedem a estes apelos e passam a ser lembradas mais por suas fotos em revistas masculinas do que pelo seu potencial esportivo.
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