sábado, 5 de março de 2011

Por que eu não gosto de carnaval - Parte 1

Eu não gosto de carnaval. Em algumas vezes que eu disse isso, dentro e fora de Salvador, fui olhado com uma cara de estranheza e incredulidade, como se quisessem dizer “esse cara é baiano e não gosta de carnaval?! Impossível! Ele só pode estar de sacanagem”. Mas eu me pergunto: por que as pessoas acham que todo baiano TEM obrigação de gostar de carnaval? Todo russo gosta de vodka e de balalaica? Todo alemão gosta de chucrute ou salsichão? Todo japonês gosta de saquê? Todo estadunidense gosta do basquete da NBA, de comer aqueles hambúrgueres enormes e gordurosos e de usar aquelas roupas do pessoal do rap? Faz sentido acreditar que todas as pessoas têm obrigação de gostar de tudo o que dizem que as pessoas daquele grupo devem gostar? Fica a dúvida.

A minha rejeição não é por má vontade, do tipo “não vi e não gostei”. Eu já tentei gostar de carnaval, mas não consegui. Quando eu era bem criança, minha mãe inventou de me levar ao carnaval junto com o meu irmão mais velho. Até hoje, guardo na mente aquele mar de gente pulando no meu entorno, aquele misto de claustrofobia, dificuldade para respirar e desespero por não ter a menor condição de sair do meio daquela turba ensandecida. Meu irmão, coitado, levou uma puta pisada no pé desferida por um homem enorme, e em consequência disso não agüentou nem andar de volta para casa. Teve de ser carregado pela minha mãe. Tempos depois, eu relembrei o fato e perguntei à minha genitora por que ela fez aquilo comigo. Ela disse que nos levou ao carnaval porque trabalhava muito (isso é verdade), não tinha tempo (nem oportunidade) para dar um passeio conosco e porque foi uma das poucas chances que teve de nos levar a um lugar diferente. Porra, mas logo no carnaval? Será possível que não havia lugares mais agradáveis – e recomendáveis - para duas crianças passearem e se divertirem? Se eu tivesse filhos e não tivesse tempo de sair com eles, eu jamais os levaria àquele pandemônio quando tivesse uma brechinha na minha agenda.

Por causa disso, passei a infância e a adolescência inteiras traumatizado com o carnaval. Contudo, esse trauma vinha acompanhado de uma enorme curiosidade. Até os 17 anos, sempre ouvi as opiniões mais dicotômicas possíveis acerca da folia momesca; percebi que carnaval é algo que as pessoas amam ou odeiam, e que não há meio termo. Carnaval é muito bom, carnaval é uma merda, eu adoro carnaval, eu detesto carnaval, eu não vejo a hora de começar a festa para eu cair na gandaia, eu não vejo a hora de essa bosta acabar para a cidade voltar ao normal... Essa marcante diferença de opiniões exerceu forte pressão na minha cabeça durante a minha adolescência, e eu resolvi que era hora de enxergar a desgraceira com os meus próprios olhos.

Quando completei 18 anos, em 1998, combinei com um colega de escola para irmos ao carnaval. No dia anterior, ele ligou para mim e disse que não conseguiu dinheiro com a mãe dele para sair, pois ela é evangélica e não daria grana para o filho se perder na festa do demônio. Como já estava decidido a tirar as minhas próprias conclusões, e ninguém me demoveria disso, resolvi que iria sozinho – e fui. Já no ônibus, percebi que carnaval de fato não é festa para qualquer um. Não sei o que acontece, mas as pessoas ficam tresloucadas durante os dias de festa: uma gritaria desgraçada dentro do ônibus (não que as pessoas viajem em silêncio costumeiramente, é claro), gente sentada no encosto da cadeira com os pés no assento, vários fumando, outros bebendo, alguns tocando, pegando, mexendo e dizendo impropérios às mulheres... Enfim, uma zona infernal.

Passado o sufoco de descer na Estação da Lapa e encontrá-la tomada de gente, com dificuldade para dar um simples passo, consegui chegar ao circuito da festa. E as minhas expectativas se confirmaram: carnaval não é festa para mim mesmo! Os quebra-paus aconteciam por segundo. Em um dado momento, tive de ficar mais de meia hora junto a um posto da Polícia Militar para não correr o risco de ser agredido por um (ou mais de um) daqueles monstros. Houve um que me viu sozinho, segurou meu braço e tentou me jogar no meio de um fuzuê, mas eu alterei a voz (não sei de onde tirei tanta coragem) e ordenei ao safado que largasse o meu braço. Mas nada disso me deixou mais apavorado quanto uma cena que vi alguns minutos depois: estava andando pelo Campo Grande, nas imediações do Hotel da Bahia, quando vi um grupinho se estapeando. Um conseguiu acertar um soco no outro, e esse outro caiu. Quando este colocou as mãos no chão para se levantar, recebeu um violento chute no tórax do mesmo cabra que o derrubou. Ao ver isso, os amigos do nocauteado correram para protegê-lo e vingar as porradas dadas pelo valentão. Quando este correu para fugir, se bateu com uma guarnição de cinco soldados da tropa de choque da Polícia Militar (um maior e mais parrudo do que o outro) e caiu. Ato contínuo, um dos soldados pegou o sujeito pelo queixo, ergueu e soltou. Eu nem quis mais ver o resto da cena.

No outro dia, como não tinha mais dinheiro para ir ao centro, resolvi ir a uma festa (mal) organizada em Cajazeiras, bairro onde moro. Foi aí que a coisa desandou para o meu lado, e me fez ter certeza de que, durante esse estado de sítio vigente por uma semana na cidade, eu só tenho duas alternativas: ou ir para um lugar bem longe e só voltar quando o parnavueiro acabar, ou ficar trancado em casa assistindo a filmes sem me atrever a colocar o nariz para fora da janela (que é o que eu estou fazendo neste ano). Primeiro, um grupo de homens queria me dar porrada por achar que eu estava dando em cima da namorada de um deles (e eu não estava). Depois, os policiais estavam espancando as pessoas por nada. Bastava que um meganha não fosse com a cara de uma pessoa para desferir uma cacetada ou um tabefe contra ela. Por fim, veio a desgraceira: após ter dançado e pulado demais, parei num lugar mais afastado para sentar e descansar um pouco. Cerca de cinco minutos depois, fui atingido à traição na altura do rim esquerdo por um forte chute desferido por um drogado. Ao tentar fugir dos covardes (ele estava acompanhado por outro sujeito, também drogado), caí e torci o meu pé esquerdo. Passei cerca de duas semanas com o pé enfaixado.

Isso aconteceu no dia 24 de fevereiro de 1998, e neste dia eu jurei para mim mesmo que jamais colocaria o meu pé em um festejo carnavalesco. Até assistia às transmissões pela televisão, mas, neste ano, resolvi que nem isso eu vou fazer. Pouco me interessará as performances das estrelas da axé music; nem me preocuparei com a macaquice que Durval Lélis inventará para atrair a atenção dos foliões e os olhares da mídia, pois eu aproveitarei o meu tempo com coisas bem mais interessantes.

Ficarei em casa, assistindo a filmes, e cagarei para o que estiver acontecendo no centro da cidade. Só nos últimos dois dias, eu já assisti a cinco.

3 comentários:

  1. concordo contigo de certa maneira me arrependo por esta ideia que na verdade foi dada por minha mãe.Pois ela achava que eu deveria levar meus filhos para conhecer os lugares, ou seja socializar ao contrario do meu pai que se irritava quando ela pedia para nos levarmos para alguma festa ou coisa do tipo, isso me irritava quando eu e meus manos queriamos e para alguns lugares e ele tinha uma mau vontade de nos levar. Mas hoje eu pensaria mil vezes antes de sair com qualquer criança para o meio dessa bagunça chamada carnaval.

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  2. Gilmara,do cursinho Quilombo do Orobu.

    Rir demais com este seu testemunho...mas, de fato carnaval é festa para quem aguenta.Eu, particularmente já perdi a atração por ela.Com certeza é melhor ficar em casa assistindo a filmes e lendo jornais e depois ouvir as resenhas que nunca faltam.E isso Zé Eduardo faz muito bem na TV, com seu programa sensacionalista mostrando aquelas cenas ridículas que desmoralizam qualquer ser humano.Sem falar que o carnaval de Salvador tornou-se uma empresa privada,onde não existe mais espaço para os menos favorecidos se divertirem.São tantos problemas que prefiro nem comentar...

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  3. adoorei!!! concordo plenamente.. Se tda essa fortuna gasta em carnavais de desfiles de escolas de samba fossem gastas para ajudar milhoes de pessoas carentes no mundo, talvez nem haveria mais miseria no Brasil e assim nao seriamos o pais do carnaval, mas sim o pais da igualdade!

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