Sempre digo aos meus estudantes que apesar de lermos sobre casos de racismo, preconceito, violência e congêneres, assistir a reportagens, filmes e documentários, e debatermos sobre o assunto, tendemos a pensar que essas coisas estão meio que distantes de nós. Não sei como nem por que isso acontece, mas o fato é que pensamos que isso jamais nos atingirá, pois numa produção televisiva ou numa matéria jornalística o evento parece frio, distante, e talvez seja por isso que pensamos dessa forma. Entretanto, estamos totalmente enganados, pois o preconceito, o racismo, a homofobia, o desrespeito às manifestações religiosas e outras formas de agressão correlatas estão muito mais próximos do que nós imaginamos.
Há muito tempo, comecei a fazer um esforço para deixar de pensar assim. Tenho tentado imaginar que tudo pode acontecer comigo, pois só desta forma eu poderei tomar os meus cuidados para não ser vítima de uma desgraceira qualquer. Entretanto, nem sempre consigo – afinal de contas, também sou humano.
É sempre assim. Toda vez que nós denunciamos e protestamos contra um preconceito por demais naturalizado em nossa sociedade, sempre aparece alguém para minimizar a situação. No caso do racismo, é comum ouvirmos coisas do tipo "foi uma brincadeira", "eu não falei isso para te ofender", "você está com mania de perseguição", "você é muito radical", "agora ninguém pode falar mais nada contigo porque tudo é racismo pra você", dentre outras coisas. O racista costuma falar as merdas dele como se fosse a coisa mais natural do mundo, e quando nós nos rebelamos contra isso ele ainda se dá de ofendido!! Trocando em miúdos, o racista nos agride e o errado somos nós porque protestamos contra a agressão.
Quando eu falo do alto poder de letalidade do racismo então, sou chamado de exagerado na hora. “Afffffffffff, Rogério!! Que exagero!! Você também, viu? Aparece com cada uma!!”
Há duas semanas, um fato trágico ocorrido no bairro onde eu moro mostrou mais uma vez o poder devastador do racismo. Um adolescente de 14 anos, tido como branco pela família, começou a namorar uma menina preta. Ao saber disso, os familiares não aceitaram o relacionamento e, para dissuadi-lo, começaram a encher a cabeça dele com os preconceitos mais odiosos que se pode imaginar: a mãe dele disse que não queria que ele "sujasse a família"; que ele "namorasse uma neguinha"; que se ele engravidasse a namorada, o filho fatalmente nasceria com "cabelo ruim", e por aí vai.
O menino se viu tão atordoado e pressionado pela família por causa disso, que tomou uma medida drástica: comeu chumbinho e se matou.
Ao saber disso, eu fiquei pensando como a namorada desse cabra está arrasada. Se não for feito um trabalho sério (e rápido!), ela certamente não conseguirá relacionar-se com mais ninguém. Será uma pessoa fadada ao fracasso sentimental. Tudo porque ela é preta, e a família do namorado dela não queria que ela “manchasse” a vida do rapaz. O racismo fará com que ela pense que o problema está nela, pois normalmente é isso que acontece.
Houve quem dissesse que a família do suicida está sentindo um profundo remorso por causa do desfecho trágico do caso. Eu não acredito nisso. Apostaria que a mãe desse adolescente está colocando esse fardo nas costas da menina, ou seja, chegou para ela e disse o seguinte: “a culpa é sua!! O meu filho morreu por causa de você”. Tudo para que a menina se desespere e faça a mesma coisa que o namorado dela fez.
O que mais me revolta nisso tudo é saber que se alguém perguntar à mãe desse rapaz se ela é racista, ela dirá que não. Mas afinal, quem é racista nesse país?
Nenhum comentário:
Postar um comentário