No dia 5 de dezembro, eu
estava em uma confraternização realizada pelo pessoal do Instituto Cultural Steve Biko quando, às 19:44h, recebi um SMS enviado pela companheira
de guerra Paula Libence com a mensagem “Mandela se foi”. Apesar de essa notícia
já ser esperada há pelo menos seis meses, eu não quis acreditar nisso logo de
início. Enviei outro SMS a ela perguntando onde ela viu essa informação. Ela
respondeu que a nota havia saído na manchete da página do UOL e no
Correio 24 Horas. Perguntei ao pessoal que estava lá comigo se isso
era mesmo verdade, e todas as pessoas disseram que já sabiam do acontecido e
que, por conta disso, antes da celebração, seria prestado um minuto de silêncio
em homenagem póstuma a Mandela. E isso de fato aconteceu. Nada mais justo e
merecido por tudo o que ele representa não só para a África do Sul, mas para a
luta antirracista em todo o mundo.
Pensei inicialmente em
escrever esse texto no mesmo dia, mas achei melhor não fazer isso assim de
sopetão. Fucei a internet em busca de mais detalhes acerca do acontecido e, somente hoje, darei o meu parecer.
Fui dormir com uma sensação nada agradável. Me senti órfão. Como se fosse o meu avô que tivesse morrido. (Na verdade, Mandela é meu avô. Não biológico, mas ideológico.) E não poderia ser diferente. Afinal de contas, e para além do fato de Nelson Mandela ter sido uma das personalidades mais marcantes do século XX, digo sem nenhum medo de parecer pretensioso que o trabalho desenvolvido pelo Instituto Steve Biko (já citado acima), pelo Quilombo Ilha e pelo Quilombo do Orobu é tributário do enfrentamento ao apartheid lá na África do Sul – até porque estas organizações foram criadas para lutar contra o nosso apartheid, que é tão (ou mais?) cruel do que o sul-africano. A história do apartheid é paradigmática para toda e qualquer pessoa que já está envolvida – ou que pensa em se envolver – com a luta antirracista em qualquer lugar do mundo – principalmente no Brasil.
Fui dormir com uma sensação nada agradável. Me senti órfão. Como se fosse o meu avô que tivesse morrido. (Na verdade, Mandela é meu avô. Não biológico, mas ideológico.) E não poderia ser diferente. Afinal de contas, e para além do fato de Nelson Mandela ter sido uma das personalidades mais marcantes do século XX, digo sem nenhum medo de parecer pretensioso que o trabalho desenvolvido pelo Instituto Steve Biko (já citado acima), pelo Quilombo Ilha e pelo Quilombo do Orobu é tributário do enfrentamento ao apartheid lá na África do Sul – até porque estas organizações foram criadas para lutar contra o nosso apartheid, que é tão (ou mais?) cruel do que o sul-africano. A história do apartheid é paradigmática para toda e qualquer pessoa que já está envolvida – ou que pensa em se envolver – com a luta antirracista em qualquer lugar do mundo – principalmente no Brasil.
Afinal de contas, e como disse a escritora mineira Ana Maria Gonçalves, autora do livro Um Defeito de Cor, luta
antirracista não é coisa para qualquer pessoa. É para quem quer, pode, tem
tempo, paciência e sobretudo frieza e couro suficientemente grosso para
aguentar as piores misérias e seguir em frente, firme no seu propósito. Se você
tem disposição para isso, vá lá. Se não tem, nem entre.
Mandela:
um homem nascido para ser líder
É impossível não sentir a
falta de um homem da estatura de Mandela, que, segundo um dos seus biógrafos
oficiais, nasceu para ser líder.[1]
Ele nasceu no dia 18 de julho de 1918 em Mvezo, pequeno vilarejo localizado às
margens do rio Mbashe, no distrito de Umtata, capital de Transkei. Migrou ainda
muito jovem, por volta dos 10 anos de idade, para outro vilarejo próximo, Qunu,
onde foi matriculado numa escola britânica. Foi lá que recebeu o nome de
Nelson, pois era costume das escolas britânicas trocar os nomes originais das
crianças por nomes britânicos. O Nelson Mandela, militante mundialmente
conhecido da luta antirracista na África do Sul, foi registrado inicialmente
com o nome de Rolihlahla Mandela. No idioma Xhosa, “Rolihlahla” significa “puxando
o galho de uma árvore”, mas o seu significado mais coloquial é “criador de
problemas”. O pai dele, Gadla Henry Mphakanyiswa, que morreu quando Mandela
ainda era uma criança, não poderia ter escolhido nome mais apropriado para o
filho. [2]
Aos 23 anos, saiu de Qunu
para estudar Direito em Joanesburgo. Lá, pôde conhecer de perto a segregação
racial e, de cara, sentiu o desejo de fazer algo para mudar aquela situação. Filiou-se
ao Congresso Nacional Africano (CNA) em 1942 e, formado advogado, começou a
atuar em defesa de vítimas da violência racial na cidade.
Consolidação
do apartheid: discriminação racial como política de estado
Em 1948, o cerco se fechou.
Com a ascensão de Daniel François Malan ao cargo de primeiro-ministro,
e a consequente obtenção de maioria no parlamento pelo Partido Nacional, o apartheid (palavra da língua africâner, que significa, em português,
separação) foi definitivamente implementado como política de estado na África
do Sul.
A discriminação racial, que
acontecia majoritariamente no âmbito dos costumes, virou lei a partir de então.
Só entre os governos de Malan e do seu sucessor, Balthazar Johannes Vorster,
foram aprovadas mais de trezentas leis racistas – para sacramentar de uma vez
por todas a divisão social por raça no país. Pessoas negras estavam proibidas
de usar as mesmas escolas, banheiros, ônibus, hospitais e praias que as brancas.
Além disso, foram obrigados a morar em áreas “mais adequadas” à sua raça e,
quem se recusasse a sair, foi colocado para fora à força.
Diz a placa em
inglês, acima, e em africânder, abaixo: “Para uso de pessoas brancas. Estes
locais e instalações estão reservados para uso exclusivo de pessoas brancas.
Por ordem da Secretaria Provincial.”
Um grande contingente
populacional foi alojado em pequenas áreas territoriais (as piores e mais
mal-localizadas), ao tempo que a elite africânder, quantitativamente menor em
índices populacionais, abrangia territorialmente áreas muito mais extensas que as
daqueles. A mais conhecida dessas áreas foi o bantustão de Soweto (sigla da
expressão “South Western Township”, que pode ser traduzida para o
português como “periferia do sudoeste”, por estar a sudoeste de Joanesburgo).
Atualmente, habitado por mais de dois milhões de pessoas.
Localização de
Soweto no mapa.
Diante dos fatos, Mandela
logo percebeu que continuar a luta contra o apartheid através dos canais legais
seria impossível. Reuniu a ala jovem do CNA e criou a Lança da Nação (Umkhonto we Sizwe), braço-armado do
partido. Afinal de contas, diante da crescente onda de violência racial no país
(com destaque para o Massacre de Sharpeville, ocorrido em 21 de março
de 1960), Mandela e demais membros da juventude do CNA não demoraram a chegar à
conclusão de que, como disse Malcolm X, teriam de resistir “por todos os meios necessários”.
As
vítimas foram mortas com tiros nas costas, enquanto tentavam fugir das balas da
polícia política sul-africana
O enterro coletivo das 69 vítimas fatais do
massacre. Por conta disso, a ONU instituiu o dia 21 de março como o Dia Mundial de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.
Para tanto, saiu
clandestinamente do país, foi à Argélia receber treinamento militar, retornou à
África do Sul também clandestinamente e passou a empreender ações armadas e de
sabotagem contra o regime. Reação aos desmandos da força policial, atentados a
bomba, ações de expropriação bancária e assassinatos seletivos foram algumas
dentre as várias ações diretas contra a supremacia branca. A ordem era resistir
para não ser exterminado.
Tudo isso só contradiz a
imagem póstuma que circula nos meios de comunicação e no imaginário dos
desinformados (e maus-caráteres), de que Mandela fora um homem puramente
pacifista. Um homem detentor de uma parcimônia incontestável, que convencia
seus detratores num debate dialógico. Não! Ele foi um guerreiro, um homem que
pegou em armas para defender a própria vida, bem como as vidas das outras
pessoas que viviam nas mesmas condições que ele.
Caçada
e captura de Mandela em 1962
Isso posto, a elite
dirigente africânder organizou uma verdadeira caçada para colocar as mãos em
cima desse “terrorista” de uma vez por todas. Caçada essa que contou com o
apoio incondicional e irrestrito da CIA, a Agência Central de Inteligência dos
Estados Unidos (país que, como disse Idelber Avelar, apoiou o
apartheid durante toda a sua existência e manteve o nome de Mandela na lista de
terroristas procurados pelos EUA até – pasmem! – 2008). As informações
fornecidas pela CIA foram fundamentais à captura de Mandela, em 1962. Passou
dois anos na cadeia até ser julgado, em 1964, quando foi condenado à pena
capital por atos de sabotagem contra o Estado. Entretanto, por conta das
pressões internacionais, ocasionadas pelo fato de Mandela já ter-se tornado uma
figura mundialmente conhecida, teve a pena convertida para prisão perpétua –
que, na prática, é também uma pena de morte, só que bem mais lenta.
Foi levado para a Ilha de
Robben, prisão de segurança máxima para presos políticos. Essa ilha fica a 11km
de distância da Cidade do Cabo, na qual ele só poderia receber visitas de seis
em seis meses, mediante solicitação prévia ao governo. As visitas eram
monitoradas por agentes carcerários, que exigiam que detento e visitante, que
não podiam se tocar por estarem separados por um vidro, conversassem apenas em
inglês. Se, a qualquer momento, uma palavra fosse trocada em outro idioma ou algum
assunto proibido fosse mencionado, a visita era imediatamente interrompida.
Outra, só seis meses depois.
Visão aérea da Ilha de Robben
Entrada do presídio.
Era uma prisão, como já foi
dito, de segurança máxima. Além de não poder tocar as suas esposas, filhos e
filhas nos momentos de visitas, os detentos eram proibidos de ler os jornais,
de ouvir rádio, obrigados a trabalhos forçados e cruelmente torturados em caso
de alguma desobediência. As correspondências eram todas lidas e censuradas pelo
departamento de censura da cadeia. A única diversão permitida aos detentos (que
chegaram a mais de sete mil homens no auge da repressão) era jogar futebol. Era
tanta gente presa que havia um campeonato organizado na cadeia, com direito a
primeira e segunda divisões. E o futebol virou um fator tão forte de união
entre os detentos que, por conta disso, Mandela era proibido de jogar. Todas as
vezes em que os homens se juntavam para iniciar as partidas, Mandela era
imediatamente recolhido e trancafiado em sua cela. A ele, restava apenas olhar
as partidas pela janela da cela – que ficava a uma boa distância do campo de
futebol.
(Em 2010, quando da
realização da Copa do Mundo na África do Sul, a FIFA reconheceu simbolicamente
a liga de futebol da Ilha de Robben como forma de homenagear a todos
aqueles que lutaram por liberdade e igualdade.)
Após dezoito anos na Ilha de
Robben, Mandela foi transferido para Pollsmoor, uma prisão considerada “mais
branda”, na qual ele já podia conversar com os seus aliados, ouvir o rádio, ler
os jornais e ter acesso à biblioteca.
Em seguida, já com 70 anos
de idade, com a saúde um pouco debilitada por conta dos problemas respiratórios
adquiridos durante o tempo em que esteve na Ilha de Robben, foi transferido
para Victor Verster, uma espécie de “prisão domiciliar”, da qual foi libertado
no dia 11 de fevereiro de 1990.
Libertação
de Mandela e transição política
As imagens da libertação de
Mandela são algumas das coisas mais lindas que eu já vi na vida. Foi muito
marcante ver a juventude negra sul-africana fazendo a maior festa na frente da
penitenciária, de braços abertos para receber o seu líder. Pessoas na faixa dos
20 aos 25 anos de idade, que nasceram quando Mandela já estava preso, mas
cresceram ouvindo as histórias contadas por seus pais e mães.
Aquele momento também deixou
evidente as razões que levaram a elite africânder a não matá-lo na cadeia. É
claro que os altos generais do apartheid quiseram acabar com a vida dele, mas
eles não podiam fazer isso. A juventude estava tornando o país ingovernável. A
violência da polícia política da supremacia branca já não era mais suficiente
para conter o ímpeto rebelde da população negra sul-africana. Quanto mais as
forças do Estado tocavam o terror, mais a juventude reagia contra os desmandos
do regime. E se Mandela fosse assassinado na prisão, aí é que a juventude negra sul-africana iria com tudo para cima da minoria branca. Seria matar ou morrer.
A coisa chegou a tal ponto que altos dirigentes africânderes foram
várias vezes à cadeia atrás de Mandela a fim de propor acordos para libertá-lo,
que foram todos rejeitados. Os argumentos usados por Mandela para isso foram
que 1) acordos só se fazem entre pessoas livres e em condições de igualdade e
2) ele não trairia as pessoas que estavam lá fora pagando com as próprias vidas
para transformar a realidade em que viviam.
(Volto a dizer que Mandela
não se manteve na prisão "por puro e simples capricho", como já ouvi por aí. Ele havia sido preso por
acreditar num ideal, por lutar por um povo, e somente se consideraria liberto
em prol desse mesmo povo pelo qual tanto lutou e havia sido preso. Luta
antirracista, como eu já disse, é coisa muito perigosa, e quem se mete nisso
precisa ter em mente que tudo pode acontecer.)
O que mais me deixou
impressionado ao estudar a história de vida de Nelson Mandela foi o caráter
dele. Mesmo após ter passado 27 anos na cadeia, ele saiu de lá com vontade de
viver. Muita gente por aí teria desistido lá dentro mesmo. Ele, não. Resistiu a
tudo com bravura e serenidade após ter feito o que pôde para mudar o país (e
não ficou maluco), e fez muita coisa depois de ter sido libertado. Uma das
principais foi a Comissão da Verdade e Reconciliação, sob a
responsabilidade do arcebispo Desmond Tutu, com vistas a sanar as feridas deixadas
pelos anos de brutalidade racial e unificar o país.
Ele saiu da cadeia em 1990,
e, em 1994, tornou-se o primeiro presidente negro da África do Sul. Ao final do seu mandato (1994-1999), rejeitou uma recondução ao cargo e passou a atuar em
campanhas de combate à AIDS (que, na África do Sul, atinge níveis alarmantes).
Em 2004, retirou-se definitivamente
da vida pública. Fez a sua última aparição em público na final da Copa
do Mundo de 2010, disputada entre Espanha e Holanda. Com a saúde muito
debilitada, procurou passar os seus últimos anos de vida em paz, mais próximo
da família.
Homenagens
a Nelson Mandela e a hipocrisia do racismo à brasileira
A morte de Mandela
repercutiu no mundo inteiro, e o Brasil não ficou de fora. Várias reportagens
foram exibidas na televisão, todas elas ressaltando a importância dele para a
luta contra a segregação racial, a atuação dele na conciliação nacional
pós-apartheid, e coisas do tipo. Apesar disso, eu fiquei bastante incomodado
com o que vi na imprensa a respeito do assunto.
E o que mais me incomodou
foi, como disse Carlos Moore, a profunda hipocrisia do racismo
brasileiro. Pois o país que rasga elogios e rende homenagens a Mandela é o
mesmo país que, nas palavras de Orlando Patterson, mantém um apartheid
sem as leis do apartheid – o que o torna bem mais cruel, sangrento e difícil de ser combatido.
A sociedade brasileira que,
nesse momento, está a exaltar a figura de Mandela é a mesma sociedade que,
apesar de todas as evidências, ainda insiste em negar a existência do racismo
no Brasil. Que criminaliza toda e qualquer pessoa ou grupo que tenta, a
duríssimas penas, fazer aqui a mesma coisa que Mandela fez na África do Sul
durante a vida inteira: lutar contra o racismo. O recado dado através dessas
ações é muito claro: ícones revolucionários são bons e devem ser exaltados - mas
os dos outros. Os nossos não passam de vândalos que querem impedir o progresso
e colocar um entrave ao desenvolvimento econômico do Brasil. Um grupo
que nunca conseguirá promover, por mais que tente, um “racismo ao contrário”.
É esse o mesmo país que
exalta a figura e a atuação de Nelson Mandela por um lado, mas faz o que pode
para barrar as ações afirmativas nas universidades. Que se recusa a aplicar a
lei 11.645/08 na educação básica. Que permite que as nossas crianças sejam
massacradas pelo racismo odioso contido nos livros de Monteiro Lobato.
Que ameaça expulsar da escola um menino negro cuja mãe se recusou a cortar os cabelos dele por serem “diferentes”. Que chora até hoje a morte de 245 jovens brancos e universitários que estavam na farra num boate em Santa
Maria, no Rio Grande do Sul, mas não
se sensibilizou nem um pouco quando o BOPE entrou no Complexo da Maré e matou dez pessoas inocentes em um ato flagrante de vingança policial. Que lamentou o fato de “só” terem morrido trezentos mil pretos no terremoto que devastou o Haiti em janeiro de 2010. Que entrou em pânico quando um grupo de adolescentes pretos, "parecendo com um bando de ladrões" entrou num shopping de luxo em São Paulo - uma vez que shopping não é lugar de pobre. Que acha um
absurdo inominável quando acontece um tiroteio nas áreas nobres ou quando avitrine de uma loja de luxo é apedrejada, mas não se comove nem um
pouco quando há tiroteio intenso com mortes no morro[3]
ou quando um preto favelado é morto sob tortura dentro de um quartel da PM ("alguma coisa ele fez, pois ninguém morre de graça"). Que se recusa terminantemente a reconhecer a empregada doméstica que faz o nosso serviço sujo como trabalhadora, pagar-lhes um salário
decente e reconhecer-lhes os direitos trabalhistas, e acha normal fazê-las
subir pelo elevador de serviço e confiná-las nos quartos de
empregada,verdadeiras versões contemporâneas das senzalas.[4]
A forma como a trajetória de
Mandela foi mostrada nas reportagens constituem um capítulo à parte. Mandela
foi mostrado sempre como o “conciliador”, o sujeito que derrubou o regime de
segregação racial com discursos ponderados e palavras muito bem selecionadas.
Não foi isso. Dennis Oliveira foi muito feliz ao evidenciar que Mandela
foi conciliador quando a situação exigiu esse tipo de postura da parte dele.
Pois quando o regime endureceu o jogo, ele optou pela rebelião armada. E mais:
os altos dirigentes do apartheid só aceitaram negociar com Mandela por conta de
toda a pressão internacional exercida contra a África do Sul durante os anos de
terror e do consequente isolamento decorrente dessas pressões e sanções
internacionais.
Também concordo com Oliveira
com relação ao absurdo que foi Mandela ter dividido o Prêmio Nobel da Paz com
Frederik Willem de Klerk, presidente da África do Sul à época. De
Klerk não negociou a libertação de Mandela e a transição política porque era
bonzinho e estava com peninha daquele preto que estava preso há quase trinta
anos, e sim porque o país estava isolado por conta da enorme pressão e das
consequentes sanções econômicas e boicotes impostos pela comunidade
internacional decorrentes dos anos de terror. Segundo o arcebispo Tutu, seria
impossível acabar com o apartheid só através da luta interna. Se não houvesse pressão internacional, seria bem provável que a elite branca ainda estivesse no poder até hoje.
Quem está no poder só aceita
negociar quando se sente pressionado, nunca por benemerência. Como disse Assata
Shakur, não é possível acabar com um regime de terror apelando para os bons
sentimentos de quem nos oprime, uma vez que quem nos oprime não tem bons sentimentos. Ou nós nos organizamos para exigir o que é nosso, ou
nada feito. E foi exatamente por ter feito isso que Mandela foi caçado e
enjaulado durante 27 anos. Só que as
reportagens não destacam isso – e nem destacarão. É bem mais conveniente
mostrá-lo como o preto-velho pacifista, o campeão da paz, e esconder
toda a importância que ele teve na estruturação da luta armada ao regime racista.
Vá
em paz. E muito obrigado por tudo
Minhas sinceras e
respeitosas condolências à família, bem como ao povo sul-africano que, nas palavras de Leonardo Boff, não se cansou nem por um minuto de dançar
e cantar nos rituais públicos consequentes ao anúncio da morte do grande líder
da nação sul-africana. Mandela morreu fisicamente, mas ainda continuará vivo na
cabeça de toda e qualquer pessoa comprometida com a superação do racismo no
mundo.
Devo dizer que Mandela,
corpo físico, se foi, mas seus ideais aquecem como brasa viva em cada cidadão e
cidadã que encampa a luta antirracista em qualquer metro quadrado de cada canto
do mundo.
Amandla!
[1] VAIL, John. Winnie
e Nelson Mandela. Coleção Os Grandes Líderes. São Paulo: Nova
Cultural, 1988, pp. 7-16.
[3] “A
luta por direitos humenos é a essência da nova luta de classes”. Entrevista
dada por Marcelo Freixo a Glauco Faria e Igor Carvalho. Fórum: outro mundo em debate. São Paulo: Publisher Brasil. Ano 12, número 121, abril 2013, p.
29.
[4]
LARA, Fernando. “A exclusão no espaço doméstico”. Fórum: outro mundo em debate. São Paulo: Publisher Brasil. Ano 12, número 121, abril 2013, p.
36-37.