quinta-feira, 17 de abril de 2014

O que vi do cenário de terror decorrente da greve da PM baiana

Acabou a greve dos policiais militares do estado da Bahia. Hoje à tarde, a categoria aceitou a proposta feita pelo governador Jaques Wagner e pôs fim a mais uma temporada de pânico generalizado em Salvador. Contarei neste relato um pouco do que eu vi durante esses dias.

Saí hoje, bem cedo, para buscar minha tia na Rodoviária. Ela escolheu a pior hora para vir a Salvador, mas isso não vem ao caso. Esse não é o melhor lugar e essa não é a melhor hora para discutir os méritos da questão.
O que interessa é que eu não podia deixar a minha tia sozinha a se aventurar em sair da Rodoviária rumo a Cajazeiras sem transporte público na rua, sem dinheiro para pagar corrida de táxi e aturdida com o caos instalado na cidade. Por intermédio de alguns contatos, consegui contratar os serviços de um motorista particular. Como ele não conhece a minha tia e a minha tia não conhece o cara, pedi para ele vir a minha casa para daqui seguirmos rumo ao Terminal Rodoviário de Salvador.

Sugeri que fôssemos pela Estrada Velha do Aeroporto, passássemos pelo Setor C de Mussurunga e caíssemos na Paralela pela direita da Estação Mussurunga. Ele discordou, e propôs que seguíssemos pela Estrada do Coqueiro Grande, entrássemos em Cajazeira 8, descêssemos a ladeira do fim de linha e seguíssemos pela Via Regional. Não vi nada de mais, gostei da ideia, e assim demos continuidade ao processo.

A Via Regional estava totalmente macabra. Escura, sombria, sem um pé de pessoa na rua, e um clima péssimo. Um verdadeiro cenário de terror. Ao chegar próximo à Battre, nas imediações do Barradão, vi dois corpos de homens assassinados a tiros jogados na calçada. O motorista ainda diminuiu a velocidade do carro para ver os cadáveres, e disse que passou ontem à noite pelo mesmo local, às 21h, e os referidos corpos já estavam lá. Como eu não sinto o menor prazer em ver corpos de pessoas mortas prostrados no meio da rua, protestei e pedi para ele acelerar e me tirar daquele lugar o mais rápido possível. Ele atendeu.

Daí em diante, o trajeto foi tranquilo. A Paralela estava livre, e eu cheguei à Rodoviária sem enfrentar mais nenhum problema. O motorista só deu uma paradinha num posto de gasolina da Paralela para abastecer e seguir viagem. Nada de mais nisso. Minha tia já estava esperando por mim, eu fui ao encontro dela, viemos em direção ao carro, entramos e rumamos em direção a Cajazeiras pela BR-324.

Na volta, me deparei com mais cenas de horror. Na altura da BRASILGAS, vi o rabecão do IML recolhendo um corpo. Não sei se a vítima morreu em virtude de um acidente de trânsito ou por ter sido alvejada por tiros disparados por alguém. Mas eu estava pouquíssimo interessado em saber a causa mortis da vítima. Eu não sou parente desta, não fui testemunha da morte (ainda bem) e nem sou médico legista, portanto eu não tinha obrigação de interromper a minha viagem para me certificar de nada. Vamos em frente.

Ao entrar em Águas Claras, o motorista do carro viu um amigo dele no ponto, parou o carro e chamou o cara para pegar carona. Nenhum problema. Mais adiante, vi um homem fazendo o seu cooper matinal. Bem corajoso o cabra, que saiu para correr em meio a essa atmosfera de pânico instaurada na cidade. Definitivamente, esse aí estava cagando e andando para o que estava acontecendo na cidade.

Ao chegar à Rótula da Feirinha, vi que a coisa estava séria mesmo. Já havia sido informado pela internet de que houve vários saques a lojas na referida região, e pude constatar que houve muitos outros durante esse meio tempo. A loja da Claro foi arrombada e, naturalmente, muitos celulares foram furtados. A porta da Wave Beach também foi arrombada, mas parece que os ladrões não conseguiram levar muita coisa. Já a Pipeline sofreu o maior prejuízo. A porta foi arrombada, a vitrine foi quebrada, e os ladrões levaram TUDO. Tudo mesmo. Não sobrou nem um bonezinho para contar história. Os manequins estavam todos jogados no meio da rua. O preju foi grande.
Os pontos de ônibus estavam todos lotados. Às seis horas da manhã, não passava nem topic. Entretanto, o povo não desistiu de sair. E nem poderia, visto que muitas daquelas pessoas dependem do emprego que têm e algumas só ganham se trabalharem. Se não trabalharem, não ganharão nada.

Fui à casa da minha mãe, deixei a minha tia lá e voltei para casa. A minha esposa estava dormindo. Tirei a roupa, tomei um banho e deitei na cama para tentar relaxar. Não consegui. O que eu vi nas ruas foi impactante demais. A imagem daqueles dois corpos jogados na Via Regional como se fossem cães mortos por atropelamento ainda não saiu da minha mente.

Ao acordar, a esposa atendeu uma ligação de uma pessoa que disse que o pai do dono de um mercadinho próximo ao local em que ela morava foi espancado por um bando de ladrões. Tudo porque o senhor tentou impedir que os bandidos saqueassem o estabelecimento de propriedade do filho dele. Por causa disso, levou vários socos e chutes, e, de acordo com as informações que chegaram a mim, um dos agressores ainda teve a pachorra de dizer: “eu só não vou te matar porque você é velho”.

Não faço ideia do estado de saúde dele. Espero que ele consiga se recuperar bem e sem sequelas.

Saldo da greve: 23 assassinatos em Salvador e Região Metropolitana. Em apenas 48 horas. Parece pouco tendo em vista o quanto o extermínio da população negra está naturalizado nas nossas vidas, mas eu presto a minha solidariedade a essas pessoas.


E não me venham com o argumento cretino de que “eram todos vagabundos”. Se TODAS essas pessoas cometeram algum ilícito, que fossem identificadas, detidas e apresentadas à autoridade competente para responder criminalmente pelo que fizeram. Afinal de contas, não há pena de morte no Brasil. Ao menos oficialmente.