Acabou a greve dos policiais
militares do estado da Bahia. Hoje à tarde, a categoria aceitou a proposta
feita pelo governador Jaques Wagner e pôs fim a mais uma temporada de pânico
generalizado em Salvador. Contarei neste relato um pouco do que eu vi durante esses
dias.
Saí hoje, bem cedo, para
buscar minha tia na Rodoviária. Ela escolheu a pior hora para vir a Salvador,
mas isso não vem ao caso. Esse não é o melhor lugar e essa não é a melhor hora
para discutir os méritos da questão.
O que interessa é que eu não
podia deixar a minha tia sozinha a se aventurar em sair da Rodoviária rumo a
Cajazeiras sem transporte público na rua, sem dinheiro para pagar corrida de táxi
e aturdida com o caos instalado na cidade. Por intermédio de alguns contatos, consegui
contratar os serviços de um motorista particular. Como ele não conhece a minha
tia e a minha tia não conhece o cara, pedi para ele vir a minha casa para daqui
seguirmos rumo ao Terminal Rodoviário de Salvador.
Sugeri que fôssemos pela Estrada
Velha do Aeroporto, passássemos pelo Setor C de Mussurunga e caíssemos na
Paralela pela direita da Estação Mussurunga. Ele discordou, e propôs que
seguíssemos pela Estrada do Coqueiro Grande, entrássemos em Cajazeira 8,
descêssemos a ladeira do fim de linha e seguíssemos pela Via Regional. Não vi
nada de mais, gostei da ideia, e assim demos continuidade ao processo.
A Via Regional estava
totalmente macabra. Escura, sombria, sem um pé de pessoa na rua, e um clima
péssimo. Um verdadeiro cenário de terror. Ao chegar próximo à Battre, nas
imediações do Barradão, vi dois corpos de homens assassinados a tiros jogados
na calçada. O motorista ainda diminuiu a velocidade do carro para ver os
cadáveres, e disse que passou ontem à noite pelo mesmo local, às 21h, e os
referidos corpos já estavam lá. Como eu não sinto o menor prazer em ver corpos
de pessoas mortas prostrados no meio da rua, protestei e pedi para ele acelerar
e me tirar daquele lugar o mais rápido possível. Ele atendeu.
Daí em diante, o trajeto foi
tranquilo. A Paralela estava livre, e eu cheguei à Rodoviária sem enfrentar
mais nenhum problema. O motorista só deu uma paradinha num posto de gasolina da
Paralela para abastecer e seguir viagem. Nada de mais nisso. Minha tia já
estava esperando por mim, eu fui ao encontro dela, viemos em direção ao carro,
entramos e rumamos em direção a Cajazeiras pela BR-324.
Na volta, me deparei com
mais cenas de horror. Na altura da BRASILGAS, vi o rabecão do IML recolhendo um
corpo. Não sei se a vítima morreu em virtude de um acidente de trânsito ou por
ter sido alvejada por tiros disparados por alguém. Mas eu estava pouquíssimo
interessado em saber a causa mortis
da vítima. Eu não sou parente desta, não fui testemunha da morte (ainda bem) e
nem sou médico legista, portanto eu não tinha obrigação de interromper a minha
viagem para me certificar de nada. Vamos em frente.
Ao entrar em Águas Claras, o
motorista do carro viu um amigo dele no ponto, parou o carro e chamou o cara
para pegar carona. Nenhum problema. Mais adiante, vi um homem fazendo o seu cooper matinal. Bem corajoso o cabra,
que saiu para correr em meio a essa atmosfera de pânico instaurada na cidade.
Definitivamente, esse aí estava cagando e andando para o que estava acontecendo
na cidade.
Ao chegar à Rótula da
Feirinha, vi que a coisa estava séria mesmo. Já havia sido informado pela
internet de que houve vários saques a lojas na referida região, e pude
constatar que houve muitos outros durante esse meio tempo. A loja da Claro foi
arrombada e, naturalmente, muitos celulares foram furtados. A porta da Wave
Beach também foi arrombada, mas parece que os ladrões não conseguiram levar
muita coisa. Já a Pipeline sofreu o maior prejuízo. A porta foi arrombada, a
vitrine foi quebrada, e os ladrões levaram TUDO. Tudo mesmo. Não sobrou nem um
bonezinho para contar história. Os manequins estavam todos jogados no meio da
rua. O preju foi grande.
Os pontos de ônibus estavam
todos lotados. Às seis horas da manhã, não passava nem topic. Entretanto, o
povo não desistiu de sair. E nem poderia, visto que muitas daquelas pessoas
dependem do emprego que têm e algumas só ganham se trabalharem. Se não
trabalharem, não ganharão nada.
Fui à casa da minha mãe,
deixei a minha tia lá e voltei para casa. A minha esposa estava dormindo. Tirei
a roupa, tomei um banho e deitei na cama para tentar relaxar. Não consegui. O
que eu vi nas ruas foi impactante demais. A imagem daqueles dois corpos jogados
na Via Regional como se fossem cães mortos por atropelamento ainda não saiu da
minha mente.
Ao acordar, a esposa atendeu
uma ligação de uma pessoa que disse que o pai do dono de um mercadinho próximo
ao local em que ela morava foi espancado por um bando de ladrões. Tudo porque o
senhor tentou impedir que os bandidos saqueassem o estabelecimento de
propriedade do filho dele. Por causa disso, levou vários socos e chutes, e, de
acordo com as informações que chegaram a mim, um dos agressores ainda teve a
pachorra de dizer: “eu só não vou te matar porque você é velho”.
Não faço ideia do estado de
saúde dele. Espero que ele consiga se recuperar bem e sem sequelas.
Saldo da greve: 23 assassinatos
em Salvador e Região Metropolitana. Em apenas 48 horas. Parece pouco tendo em
vista o quanto o extermínio da população negra está naturalizado nas nossas
vidas, mas eu presto a minha solidariedade a essas pessoas.
E não me venham com o
argumento cretino de que “eram todos vagabundos”. Se TODAS essas pessoas
cometeram algum ilícito, que fossem identificadas, detidas e apresentadas à
autoridade competente para responder criminalmente pelo que fizeram. Afinal de
contas, não há pena de morte no Brasil. Ao menos oficialmente.