sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Você tem medo de morrer?

Diálogo em uma banca de acarajé com a minha tia Antônia no dia 22 de dezembro de 2010:

Eu: Depois de beber essa cerveja, bateu uma vontade de fumar um charuto!

Ela: O quê?! Meu sobrinho, não faça isso. Fumar é prejudicial à saúde. Foi o charuto que acabou com a vida da sua avó. Você é muito jovem para estragar a sua vida assim.

Eu: Porra nenhuma, minha tia. Por que a senhora acha que eu me preocuparia com algo que pode me matar daqui a 25-30 anos quando há uma caralhada de coisas que podem me matar agora? A morte chegará para todos, fumantes ou não-fumantes. E mais: antes de condenar os hábitos das outras pessoas com a justificativa de que elas estão estragando as suas vidas, a senhora deve fazer uma autoanálise e saber quais são os prazeres dos quais a senhora não abre mão em prol de uma vida mais longa.

Por que a senhora pode tomar cerveja e eu não posso fumar um charuto, sendo que a cerveja é uma droga tão potente e destrutiva quanto o tabaco? A senhora não quer abrir mão do seu prazer de tomar uma cerveja, mas se acha no direito de colocar o dedo na minha cara e dizer que eu não devo mais fumar um charuto. A senhora acha isso justo?

Ela: Eu só estou falando isso pro seu bem. Você é muito jovem, e isso não é bom. Além disso, você é professor e, portanto, não é legal ser visto fumando charuto por aí.

Eu: O que uma coisa tem a ver com a outra? Qual é a incompatibilidade que há entre a minha profissão e o fato de eu gostar de fumar um charuto? Minha tia, o caráter de uma pessoa não se avalia pelo tipo de substância que ela consome. Na faculdade, eu tive professores, doutores, famosos, renomados, prestigiadíssimos nas suas áreas, que fumam maconha tranquilamente – e eu imagino que isso não influencia em nada o desempenho profissional deles. O que nós precisamos fazer é mudar a nossa atitude com relação a certas coisas, isto é, parar de julgar as pessoas pelas substâncias que elas consomem. Se eu disser em alto e bom som que gosto de tomar cerveja, ninguém falará nada. Mas se eu disser, por exemplo, que gosto de fumar maconha, todos me censurarão e passarão a me tratar como um pária. Por que isso?

O álcool é uma droga bem mais destrutiva do que a maconha. Grande parte das mortes no trânsito acontece devido a motoristas que ingeriram álcool antes de dirigir, não maconha. A maioria dos homens que agridem suas esposas e filhos em casa faz isso depois de ter consumido álcool (não que eu ache que a culpa é da cachaça, é claro; álcool é agravante, não atenuante), não fumado maconha. Se eu disser que não bebo e não fumo, muita gente dirá que eu sou da geração saúde e me terá no mais alto conceito; se eu disser o contrário, o meu caráter será imediatamente colocado sob suspeita. Hitler não bebia e não fumava, tinha verdadeiro asco a vícios, e no entanto fez o que fez. E aí?

Ela: Eu só estou falando assim porque o charuto pode te levar à morte. Afinal de contas, a sua avó morreu por causa disso.

Eu: E a cerveja que a senhora toma não pode te matar?! Eu não tenho medo da morte, minha tia. Quem fuma charuto morre, e quem não fuma morre do mesmo jeito. Além do mais, a senhora, ao tomar uma cerveja, corre o mesmo risco de desenvolver doenças e morrer em consequência delas que eu corro ao fumar um charuto. Por que a senhora não para de beber então?

Nós temos de parar de nos preocupar com essas besteiras e curtir a vida, pois esta é muito curta. Pouco importa o tempo que vivamos (seja 10, 20, 30 [minha idade], 56 [a idade dela], 70, 80, 90...); ninguém terá tempo para ver e fazer tudo o que quer. Jorge Amado morreu aos 88 anos, quatro dias antes de completar 89, e antes de morrer disse que tinha consciência de que não tinha visto nem 10% das coisas que queria ver, lido um milésimo dos livros que queria ler e escrito todos os textos que gostaria de escrever. Seja lá o tempo que tenhamos em cima dessa terra, nós temos que aproveitar e nos divertir. Se a senhora tem tanto medo de morrer assim, a senhora não deveria comer nada do que habitualmente come, pois a nossa alimentação diária é cheia de veneno; se a senhora quer viver muito, não deveria nem ter saído de casa para não correr o risco de ser atingida por um ônibus desgovernado e morrer esmagada. Ou a senhora acha que essas coisas só acontecem com os outros?

Um ex-estudante meu morreu aos 20 anos de idade, de câncer de pulmão, e a família dele disse que ele nunca colocou um cigarro na boca (as pessoas acham que só os fumantes podem desenvolver câncer de pulmão, bem como só os alcoólatras podem ter cirrose). O pai de um amigão meu não bebia, não fumava, não comia gordura, não estava acima do peso, não perdia noite de sono, praticava esportes regularmente, isto é, cumpria todas as prescrições de uma vida longa e saudável. Um belo dia, ele saiu de casa para pedalar de bicicleta, como de costume, e, no meio do trajeto, teve um ataque cardíaco fulminante e morreu na hora. Nenhum dos dois fumava charuto. Portanto, eu não aceito que ninguém venha de dedo em riste para cima de mim e diga como eu devo viver.

Além do mais, de que adianta viver muito e não ter história pra contar? De que adianta viver muito e se reprimir a vida inteira? Eu poderia ficar em casa o tempo inteiro para não correr risco de morrer antes da hora (se é que alguém está livre de sofrer um acidente doméstico e morrer em consequência dele, é claro), mas quantas experiências de vida eu perderia se fizesse isso? Se um charuto me relaxa quando eu estou por demais estressado, por que eu o dispensaria?

Ela: É verdade. Você tem razão.

***

E vocês, o que pensam a respeito disso? Quero saber.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Que o ano de 2011 seja o ano da minha, da sua, da NOSSA mudança.

É sempre a mesma coisa. As pessoas se sacaneiam o ano inteiro, se xingam, se odeiam, mal olham para as caras umas das outras (quando olham), mas, no final de ano, subitamente elas ficam boazinhas, solícitas, entregam presentes como forma de compensar o desprezo e o descaso rotineiros (é o “espírito natalino”); depois que passa o Natal, todas elas vestem branco (para trazer paz), vermelho (amor), amarelo (dinheiro), verde (esperança); pulam sete ondinhas, entregam presentes à Iemanjá (e poluem o já bastante poluído meio-ambiente), colocam caroços de romã na carteira, fazem promessas sabendo que não as cumprirão, arquitetam planos irrealizáveis e congestionam as linhas telefônicas à meia-noite para desejar Feliz Ano Novo aos outros (quem precisar fazer uma ligação de urgência nesse horário estará lascada). Nossa, que saco!

Eu não sei o que leva as pessoas a acreditar que uma simples mudança de dia causará transformações profundas na nossa vida cotidiana. Que o mundo se tornará, como num passe de mágica, um lugar lindo, idílico, sem desigualdades, miséria, violência, corrupção, quase um Jardim do Éden; que todos (TODOS!) os nossos problemas se acabarão quando o ponteiro do relógio marcar o primeiro minuto do ano seguinte. Na verdade, eu até sei: é que as pessoas levam uma vida tão desgraçada, são tão sacaneadas, roubadas, maltratadas, desprezadas, invisibilizadas, e por conta disso é necessário parar um momentinho para alimentarem aquela esperança falaciosa de que tudo vai melhorar – ainda que todos tenham consciência de que isso é mentira. E depois ainda há quem fique puta com a minha cara quando eu digo que as pessoas gostam de ser enganadas.

A passagem de 31 de dezembro para 1º de janeiro é uma mudança de dia igual a todas as outras que acontecem ao longo do ano. Uma simples mudança de calendário não causará impacto nenhum na minha vida; na de vocês, eu não sei. Eu me sentiria um completo babaca se eu fizesse toda essa papagaiada e acreditasse que tudo será diferente do que foi na minha vida em 2010... só porque é 2011!!!

Se vocês querem que o mundo seja um lugar melhor, mudem a vocês mesmos primeiro. Beber é bom (e eu gosto), festejar é bom, se divertir é maravilhoso (e necessário), mas não é nada disso que vai trazer os benefícios que queremos. Melhor, o ano não vai mudar enquanto nós (não tire o seu da reta) continuarmos repetindo os mesmos erros do passado. As mesmas apatias do passado. O mesmo descaso do passado. A mesma passividade do passado. O mesmo conformismo do passado. E isso pode ser feito em qualquer dia, não só no último dia do ano.

É por isso que eu digo a toda pessoa que me deseja um Feliz Ano Novo que o ano será novo, mas os problemas e os desafios a enfrentar serão os mesmos. Portanto, inclua na lista de desejos para 2011 um pouco mais de coerência, vergonha na cara e vontade de mudar para que as coisas sejam do jeito que vocês querem. Não queiram que os outros mudem primeiro para vocês mudarem depois. Deem o exemplo.

Um mundo melhor não virá com um simples toque da varinha de condão, mas com vontade, disposição e, sobretudo, coragem para fazer as mudanças acontecerem. E a mudança tem de começar agora, já, neste exato momento, pois é público e notório que quem deixa para parar de fumar na segunda-feira não para de fumar nunca.