sexta-feira, 30 de abril de 2010

Haiti: passado, presente e futuro

No dia 12/01/2010, o Haiti foi arrasado por um forte terremoto que matou por volta de trezentas mil pessoas, destruiu a já precária estrutura física do país e deixou os sobreviventes numa situação pior do que a que já estavam. Muita coisa foi dita acerca deste país e sobre as causas desta tragédia: que isso foi uma punição por conta de um pacto feito pelos escravizados com o Diabo para livrar o país da dominação francesa; consequência inexorável de uma suposta "maldição" intrínseca à população haitiana, dentre outras coisas.

Como forma de rebater todas essas merdas veiculadas na grande imprensa nacional, o Instituto Cultural Steve Biko convidou o professor Carlos Moore para dar uma palestra, realizada no dia 25/01/2010, com a finalidade de mostrar o processo histórico que levou este país caribenho a estar nessa situação de miséria generalizada em que se encontra atualmente. Durante a explanação do professor Moore, fica claro que a catástrofe social tem causado muito mais danos do que a catástrofe natural, e que o povo haitiano ainda está pagando muito caro por ter sido a única colônia americana cujo processo de independência foi planejado e executado pelos escravizados.

É uma boa pedida para quem, até hoje, só ouviu falar deste país através dos noticiários da Rede Globo e dos comentários infelizes de Arnaldo Jabor.

Segue para a vossa apreciação:



quinta-feira, 22 de abril de 2010

Sobre os campos de concentração cearenses (ou "o Brasil também já foi nazista?")

Quando nós ouvimos a expressão "campos de concentração", pensamos imediatamente nas prisões criadas pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial para exterminar os "indesejáveis" da sociedade alemã: judeus, eslavos, homossexuais, ciganos... Símbolos máximos do horror causado pelos comandados de Adolf Hitler, alguns deles (Dachau, Auschwitz-Birkenau, Treblinka, Bergen-Belsen, Buchenwald, Mauthausen-Gusen...) foram transformados em museus e passaram a ser visitados por pessoas das mais diferentes regiões do mundo. Imagino que deve ser bastante deprimente visitar um lugar desse, mas ter conhecimento de uma das páginas mais macabras da nossa história recente é necessário para que nós tenhamos uma noção mais nítida das misérias que uma ideia maldosa pode levar um grupo de pessoas a fazer, e a partir daí empenhar o máximo das nossas forças para impedir que isso aconteça de novo. Eric Hobsbawm, no capítulo 1 do livro Sobre História, é muito claro ao dizer que os discursos também podem causar guerras e provocar danos iguais ou até maiores do que a explosão de uma bomba atômica - e eu concordo integralmente com isso.

Portão principal do campo de concentração nazista de Auschwitz, na Polônia. No alto, vê-se a inscrição "Arbeit Macht Frei", que pode ser traduzida para o português como "o trabalho faz a liberdade".

No entanto, isso não foi exclusividade dos nacional-socialistas alemães. No Ceará, também foram criados locais iguais a esses em regiões estratégicas do agreste cearense e em algumas cidades da região metropolitana de Fortaleza. O objetivo dessa medida era impedir que os retirantes da seca (chamados à época de "molambudos") conseguissem chegar à capital cearense em busca de melhores condições de vida e, por consequência, pusesse por terra o plano das elites cearenses de "civilizar" e "modernizar" as ruas e avenidas da cidade. Vale dizer que "campo de concentração" não é um termo importado da Alemanha, mas uma denominação presente nos jornais cearenses da época (começo do século XX) e bem anterior à construção do primeiro campo de concentração nazista, localizado na cidade alemã de Dachau.

Além disso, devemos destacar que enquanto os jornais chamavam esses locais de "campos de concentração", a população concentrada chamava de "currais do governo", o que é uma clara demonstração de que as pessoas que foram lá jogadas sabiam muito bem o que estava acontecendo, quem eram os responsáveis por aquela situação, tinham total consciência dos objetivos pretendidos com essa medida e como eram vistas e tratadas - como animais!

O programa Mais Você, da Rede Globo, veiculou uma reportagem sobre isso na edição de hoje, 22/04/2010. Confiram aqui:


Eu não gosto muito das fuçanhas de Ana Maria Braga. Para mim, ela é uma mulher fútil e que não acrescenta nada na vida de ninguém; penso que há coisas muito mais interessantes que as mulheres brasileiras precisam aprender do que somente cozinhar, fazer artesanatos idiotas e assistir a entrevistas com pessoas tão vazias quanto ela. No entanto, levantei da cama hoje e assisti a essa reportagem porque o tema é interessante e revelador de uma realidade escondida por muito tempo do conhecimento público (não é por acaso que os Racionais MCs disseram para a gente ter fé porque até no lixão nasce flor). Havia lido um texto sobre o assunto há cerca de quatro ou cinco dias, e fiquei mais chocado ainda quando vi, tanto no texto como na reportagem, relatos de algumas sobreviventes dos campos de concentração brasileiros.

Vocês, eu não sei. Mas no momento em que eu vi esse vídeo, eu associei imediatamente a imagem da linha do trem próxima ao campo de concentração de Senador Pompeu com a imagem da chegada dos trens trazendo "carregamentos" de judeus ao campo de concentração nazista de Auschwitz (quem assistiu ao filme A Lista de Schindler sabe do que eu estou falando). Isso serve para nós entendermos que aqui, bem pertinho de nós, houve quem fizesse coisas bem mais odiosas e execráveis do que os nazistas, e que devemos nos olhar mais no espelho antes de falar dos defeitos e misérias que acontecem nos países dos outros. Afinal de contas, por que aqueles que criticaram tanto a postura do presidente Lula com relação aos presos políticos cubanos ficaram calados até hoje sobre o caso dos campos de concentração cearenses? Será que ninguém sabia disso?


domingo, 18 de abril de 2010

Vocês ainda acham que não há preconceito no Brasil?

Se vocês ainda acreditam que não há racismo no Brasil; leram e acreditaram em todas as merdas escritas e ditas por Demétrio Magnoli, Ali Kamel, Yvonne Maggie, Peter Fry e companhia limitada; pensam que racismo é coisa de denuncistas radicais desocupados e paranoicos do Movimento Negro (um rebanho de vagabundos que não tem o que fazer e portanto fica enchendo a paciência dos outros com essas histórias); ou coisa de gente complexada ("isso é coisa da sua cabeça"), vejam isso e depois nós conversaremos:


O mais divertido será ver os comentários (se é que alguém lê isso aqui).

Eu não gosto muito das fuçanhas de Marcos Mion, mas tenho de reconhecer que ele fez uma coisa boa dessa vez.

Inté.

sábado, 10 de abril de 2010

Considerações sobre a teimosia humana (ou quem não ouve "cuidado" ouve "coitado")

Na madrugada de hoje, um acidente aéreo na região de Smolensk (a 400km a oeste de Moscou), matou o presidente da Polônia, Lech Kaczynski, a esposa dele, o presidente do Banco Central polonês e os mais altos oficiais militares poloneses (ao todo, foram 97 mortos). Todos estavam indo à Rússia a fim de prestar uma homenagem a soldados poloneses que foram assassinados pelo exército soviético em 1940 (familiares dos poloneses mortos na guerra também estavam no avião). Trata-se de um fato polêmico, que envolveu Rússia, Polônia e Alemanha, e que marcou o começo da Segunda Guerra Mundial.

Entretanto, o que mais me chamou a atenção no caso não foi nada isso. Fiquei mais intrigado ao saber que, de acordo com o que foi divulgado na imprensa, a tripulação do avião que transportava o presidente polonês e a sua comitiva foi advertida pelos controladores de voo russos que as condições climáticas estavam péssimas (muita neblina), e que por isso seria mais prudente desviar a rota e aterrissar em Moscou ou em Minsk, capital da Bielorrússia (ou Belarus, como dizem). O pedido foi sumariamente ignorado pela tripulação polonesa, tanto que o piloto tentou pousar no aeroporto de Smolensk quatro vezes. Tanta insistência só poderia ter dado nisso.

Ao ouvir isso, eu me perguntei por que nós somos tão teimosos; por que nós insistimos tanto em dar de ombros para algum alerta ou aviso que as outras pessoas nos fazem. Não estou dizendo que nós devemos acreditar em tudo o que ouvirmos por aí, mas, nesse caso específico, custava escutar as recomendações dos russos e pousar em um lugar mais seguro? Custava ser mais prudente e preservar as vidas humanas que estavam dentro do avião (e a vida da tripulação também, pois ninguém conseguiu escapar vivo desse desastre)? Gente sacana, escrota e que gosta de tirar sarro da cara dos outros existe em qualquer lugar, mas eu me recuso a acreditar que os controladores de voo russos brincariam com um assunto tão sério como esse - ainda mais tratando-se de uma comitiva liderada por um chefe de estado.

Isso me lembrou do caso Gabriel Buchmann (se uma coisa tem algo a ver com a outra, eu não sei, mas foi a associação que eu fiz), aquele carioca que estava viajando o mundo inteiro com vistas a acumular conhecimento necessário para escrever a sua tese de doutorado sobre a pobreza e acabou morrendo no Monte Mulanje, no Malawi, ano passado. Guardadas as devidas proporções, Buchmann fez a mesma coisa que a tripulação polonesa fez hoje. Vejam: ele estava num lugar que não conhecia, subiu no monte sem pedir a autorização dos espíritos (os malawianos acreditam que o Monte Mulanje é habitado por espíritos, e por isso todos aqueles que querem subir o morro precisam pedir autorização a eles para entrar; os que não fizeram isso estão lá até hoje), e ainda teve a pachorra de dispensar o guia, após este ter avisado insistentemente que o dia estava ficando escuro e que portanto era mais prudente retornar à base e deixar a escalada para o dia seguinte. Como ele se recusou a fazer isso (talvez por ter pensado que todos esses costumes não passavam de "crendices atrasadas" ou por ter achado que tinha experiência suficiente para superar qualquer adversidade natural), terminou se perdendo e morrendo de frio enquanto dormia.

É por isso que eu digo: sejam humildes. Respeitem os costumes dos lugares e prestem um pouco mais de atenção às orientações das pessoas que moram lá, que vivem lá, que conhecem os hábitos da região. Não sejam ingênuos, mas também não sejam arrogantes. Se vocês estiverem num lugar desconhecido, quiserem entrar em uma selva ou fazer uma escalada e alguém disser que o tempo não está adequado, seja prudente. Pode ser que aquela pessoa esteja te sacaneando, mas vocês dificilmente terão como descobrir isso com rapidez. Na dúvida, é melhor não arriscar e checar as informações com outra pessoa.

Não pensem que o conhecimento acadêmico ou os documentários da National Geographic que vocês assistem toda semana fornecem informações que são verdades absolutas e cem por cento válidas, pois não são. Com relação ao comportamento do mar, por exemplo, eu prefiro confiar mais nas orientações de um pescador humilde a seguir as palavras de muitos biólogos ou engenheiros ambientais com doutorado no MIT ou em Harvard por aí. O biólogo e o engenheiro podem até ter bastante conhecimento técnico, mas quem conhece o comportamento das águas na prática é o pescador, pois é ele que está lá todo dia. É ele que sabe quando o mar está bom para a pesca ou a navegação. Os livros, por mais completos que sejam, nunca mostram como as coisas acontecem no mundo concreto com a mesma dimensão de quem está acostumado a ver os fenômenos de perto todo dia.

Quem não ouve cuidado ouve coitado.